Raízes de um Enorme Problema

Bom dia! Pra sorte do Manco, eu já tinha um rascunho grande desse assunto, porque volta e meia me pedem para explicar certos problemas da nossa historiografia, e realmente é um saco a cretina evolução do discurso público, histórico contra o Império e suas ações durante o II reinado em vários temas, no caso focando na escravidão pós-colonial.

Vamos lá, então. Por volta de 1870 já havia um grande conflito que sim, seu professor de história do colégio não fez a MENOR QUESTÃO de comentar adequadamente, preferindoe ncher o saco com zumbi, quilombo, essas coisas… mas foi determinante para a queda ruinosa do Império do Brazil.

De um lado haviam os coronéis, senhores de engenho que dependiam do negro para produzir riqueza. Plantation, produção e beneficiamento de açúcar, algodão, farinha, carne, madeiras, milho, café… Esse pessoal estava na terra desde a Colonização, e sempre dependeu dos escravos para extrair riqueza e pagar os quintos à Coroa, além de ter sido parte fundamental da efetivação do que seria o mapa do Império, quando de seu estabelecimento.

Abro um parêntese. Notemos que a escravidão negra é um fenômeno que começou na Empresa Colonial Portuguesa por volta de 1570 – no tópico do domingo passado eu terminei o último áudio antes de explicar o contexto. Quando a Igreja, após a briga interna que Bartolomeu de Las Casas – padre – arrumou com a Sé sobre a natureza pura do indígena, decide que não era mais lícito escravizar o indígena, o foco da exploração recaiu sobre o negro, igualmente considerado “não-humano” naquela época PELOS CRISTÃOS. Longa história, voltarei nisso.

Então o braço da Empresa Colonial acabou sendo o negro cativo, comprado de contratadores/caçadores de várias partes da África. Supomos ter havido uma movimentação de 4,5 a 7 milhões de negros para o Brasil. Mortalidade imediata na faixa de 40%. E para os senhores de engenho, nobres possuidores de terras, fidalgos que receberam desgraçadamente torrões de terras daqui, ter o negro na faina era essencial, era o objetivo de vida do homem pobre, do pequeno plantador.

De outro lado progressivamente surgiu uma burguesia comercial na colônia, reflexo natural da própria evolução do capitalismo pós-metalista: os comerciantes, banqueiros, armadores, granjeiros, artífices, profissionais liberais todos que desejavam capitalismo, o direito de realizar trocas e não ter a encheção da Coroa lhes querendo o Quinto. Notemos que praticamente todas as revoltas da Colônia estavam calçadas no conflito entre esta burguesia florescente e a Coroa leniente e opressiva.

Com o Império a influência destes capitalistas aumentou muito, obviamente refletindo a enorme, intrusiva expansão do capitalismo industrial na Europa. DPII percebeu isso e buscou mudar legislações com os poderes que a constituição imperial lhe garantia. Neste contexto gente como Irineu Evangelista, o Barão de Mauá, vai aparecer, assim como a forte expansão dos novos senhores de terras paulistas, plantando café e algodão, lançando ferrovias moderníssimas para carregar os frutos da terra plantados e colhidos por escravos.

De um lado os coronéis, do outro os capitalistas E no meio o Imperador enfraquecido exatamente por ter apoiado um lado neste conflito – desde o fim da Guerra do PY os conflitos vinham se sucedendo. Com a Guerra houve a necessidade de convocar escravos e a estes foi garantida a liberdade após seu retorno. Ao mesmo tempo, fruto da péssima situação da europa mediterrânea pós-Napoleão, começamos a receber imigrantes,  europeus livres e pobres, para trabalhar no campo e na incipiente indústria daqui.

Obviamente qualquer medida que gerasse custos aos senhores de terras, coronéis, causaria conflitos imediatos contra a Coroa. E por volta de 1870 a Guerra havia acabado, milhares de negros voltaram livres, muitos acabaram virando membros da Armada e do Exército. Ao mesmo tempo a Princesa Isabel, que já havia conseguido um feito enorme com a aprovação da Lei do Ventre Livre estava seriamente indisposta com os donos de terras.

O fim do tráfico fez a “criação de escravos” virar um negócio razoável, no interior de MG, BA e SP haviam “fazendas de reprodução”, inclusive. Com a Lei, a coisa encrencou. Na media em que os fazendeiros do sudeste foram buscar os imigrantes europeus, os nordestinos passaram a clandestinamente fazer tráfico interno e reprodução de escravos. NOTEMOS que por volta de 1880 havia uma clara distinção entre as economias nordestinas e as do sudeste. Essa distinção permanece até a atuualidade.

Quer dizer, até 1870 o grosso da população escrava negra estava no sudeste, mas após as mudanças legais dentro do processo de abolição gradual da escravidão (ideia do José Bonifácio) o NE acabou virando o “last resort” da exploração de negros cativos.

Obviamente estas leis e inovações geraram um racha no Senado e nas redes de apoio do Imperador. DPII não conseguia recompor seus apoios mesmo com subvenções e privilégios comerciais aos “aliados”, e neste contexto os ditos “republicanos” de SP e MG surgem no cenário político prometendo a liberdade capitalista à inglesa, exatamente buscando evitar a dispersão da riqueza (que ocorreu no sul dos EUA) pós-abolição.

Este pessoal (incluindo miltares de formação francesa, profissionais liberais, estancieiros do Sul, donos de terras que já se beneficiavam do comércio com a Inglaterra) exigia do Império indenizações para a libertação dos escravos, e ao mesmo tempo leis que vedassem aos ex-escravos possuir plenamente posses e direitos. A Princesa Isabel era abertamente contra e exatamente este foi o maior retardante do processo de abolição, que se arrastou por mais alguns anos.

Com a abolição O Imperio perde totalmente o apoio dos coronéis e latifudiários. Mexer na propriedade privada – os escravos – sem a devida indenização foi fatal para o Imperador. O projeto foi modificado no Senado e aprovado “pela metade”, liquidando a capacidade de negociação de um Imperador já cansado e decididamente disposto a passar a coroa à sua Sucessora. A degradação política foi rápida e incontornável, ainda mais com o crescente apoio da população (ignorante, na sua maioria, da complexidade da situação) e dos militares.

O resto da História, todo mundo conhece.

Obs:

O escravo negro deixa de ser considerado “propriedade” somente com a Abolição, quando o estauto de “coisa” deixa de existir por força de Lei. Então, quando eu falo de antes de 1888, penso/aceito a ideia de que o escravo era “semovente”, não “pessoa”, para a Lei Geral.

Gravura da Revista Ilustrada com os escravocratas carregando a bandeira com os dizeres “ABAIXO A MONARQUIA ABOLICIONISTA, VIVA A REPÚBLICA COM INDENIZAÇÃO”, seguidos pelo símbolo da república. Os republicanos prometeram picanha para as elites, mas só veio a pica.

Tanto é que Rui Barbosa, ministro da Fazenda da república, tinha ordenado toda a destruição dos registros de escravos, para que não se pagasse a tal “reparação” as elites latifundiárias, e isso foi feito em 1891, sob a gestão de Tristão de Alencar.