Você pegava doce?

Bom dia!

Sim, hoje é Dia de Cosme e Damião. Uma daquelas datas em que percebemos muito dramaticamente as mudanças de nossa sociedade, do nosso mundo. Mudou tudo muito severamente e dramaticamente nestes nossos vinte, trinta anos mais recentes. O tempo foi grosseiro com estes exemplos de fé antiga dos cristãos. Um viva para os Santos!

Mas, aos fatos. Hoje em pleno 2025 é bastante difícil achar quem ainda faça os votos aos santos – vocês todos sabem, os irmãos não são “santos da macumba”, e são um exemplo claro de como a religião sempre foi pessimamente tolerada no Oriente – em nome de um milagre, uma benção. Conheço pais de gêmeos que rogaram pela saúde das crianças ainda no ventre – gêmeo sempre é arriscado – e até hoje cumprem seus votos dando doces para crianças na data. É importante agradecer essas coisas.

Damos doces – os católicos – porque os santos, horrivelmente martirizados por ajudar os pobres, eram afamados por cuidar das crianças doentes. Doces sempre foram um sonho e um presente ideal para crianças… até as maravilhas da nutrição moderna e do sedentarismo forçado os transformarem em um veneno horrível para os pimpolhos. E dar doces tem esse sentido, de agradar as crianças, as fazer felizes em nome dos Santos dos Meninos. E crinaça se sente feliz… comendo doces. Bem, meu Menino adora…!

Eu mesmo quando era criança não podia pegar doce. Minha mãe não deixava. Na nossa área só o pessoal da macumba dava doce. Mas eu e os colegas pegávamos, era um negócio complicado. Bota uns quase 40 anos atrás, naquela pobreza sinistra, áspera do finalzinho dos 1980. Tu só comia alguns doces mais chiques naquele dia ali e olhe lá. Molecada ia nos terreiros, era um negocio de comer bolo, suco, pegar brinquedo… Eu tinha escrúpulos, e ia pelos doces.

E comia aquele pacotinho cheio de culpa, um horror mas isso logo passava. A gente conseguia com muita briga um, dois pacotes, as donas das casas brigando o dia todo com hordas de crianças feito orc do senhor dos anéis, era tudo muito brigado, todo mundo era bastante pobre, em uma região bem largada.

Mas era fim dos 1980, TODO MUNDO era pobre. E um doce de graça vindo do pessoal “do santo” era um risco aceitável. A gente podia morrer de alguma doença aleatória e fatalmente a culpa seria do santo. E a dor de barriga posterior era sinal do castigo efetivo e imediato, aquele engulho intestinal sendo resultado da bananada que estava no pacotinho do santo… terríveis momentos.

As crianças de hoje não tem a mínima capacidade de entendimento sobre o que era a alegria de um dia feito o de hoje. Esperávamos contando dia a dia a nossa vez de passar horas tentando arrumar doces, corre corre de casa em casa, vendo as casas dos mais “ricos” que dariam doces melhores, e refrigerante, biscoito. Inimaginável atualmente.

Crianças demais, era muita mesmo naquele tempo. Nossa demografia era positiva, e o tempo todo era uma criançada com fome, carente desses luxos que hoje compramos com uma notinha de dez reais. A pobreza era generalizada e bem planificada, todo mundo era meio pobre, mesmo os mais arrumadinhos sofriam pra comprar um litro de coca cola. Famílias que davam doces eram normlamente as mais abastadas, com alguma condição. Dava status dar doces no dia do santo.

Era outra realidade. E nem cogito tentar esclarecer isso. Um mundo que rodava mais devagar, e com muito menos preocupações. Havia muito medo, mas muito mais confiança. E era NORMAL saber de notícias de crianças que sumiam ou eram atropleadas, mortas nas correrias de doce rua a fora. A gente sabia, ouvia no rádio Tupi, noticiário de desgraça matutino. Envenenamento, chumbinho na maria mole. Bolo de fubá com neocid, ex querendo matar o filho da substituta mandando umas cem crianças pro pronto socorro. Haviam riscos.

Hoje ninguém liga muito nos centros, nas cidades. No interior isso ainda acontece, tradição açoriana, mais arraigada. Pensemos que no Século XIX era raro esse pensamento de agradar crianças e as festejar. E nas cidades grandes quase tudo o que aparece é oferta de macumba, não tem relação com a tradição cristã… e ninguém se importa muito em entender porque é a escola de samba e não o devoto o doador das prendas. Virou marketing cultural, evento.

Por aqui ainda há essas coisas. Famílias com bacias e baldes na beira da rodovia, pessoal mais prático passa de carro e vai distribuindo, é sempre perigoso pra quem dirige nessas rodovias. Acho tosco, mas no final vá lá, não é nada com meu dinheiro e nao fiscalizaria a fé alheia. Eu, mesmo nessa modorra atual, friso: cuidado quando andar pelas ruas hoje, do nada pode aparecer criança correndo atrás de doce…!

Bom dia!