Casualidades dolosas

Bom dia.

O que dizer deste ano de 2019 que mal começou e já está na lista dos mais desgraçados da História desta nossa terra devastada?

Como sempre, não vou entrar na factualidade, listando cada desastre, cada crime aqui. Não é preciso, não vale a pena. O que eu vou por em texto é uma característica que liga todos estes malfeitos criminosos, os grandes e os pequenos, desde a letargia de uns em reconhecer o erro e dar cabo dele à negligência contumaz e viciosa de mais aqueles e o deliberado desprezo de mais outros com seus semelhantes, por mera cosmética.

Existe uma linha que une todos os desastres recentes, os mais antigos, os muito antigos e sim, os desastres que ainda virão e ceifarão mais e mais vidas: A incapacidade de o brasileiro de se antecipar, de proteger seu próximo, de evitar o erro. Todas as vidas perdidas nestes últimos eventos – TODAS – poderiam ter sido salvas. E isto é o que me incomoda, revolta mais.

Não há evento da natureza que mate “normalmente”. Não há acidente que mate “normalmente”. Não deveria haver no nosso meio, como na guerra, a facilidade em enquadrar os mortos em tragédias evitáveis como “casualidades”. Todo ano temo vários desastres evitáveis. Mas naturalizamos a morte dolosa quando a culpa não é objetiva. Se o culpado não deu um tiro na pessoa, nós já relativizamos, suuavizamos a coisa. Aceitamos.

Vou abrir um parêntese para um dado exemplar:

Vocês lembram que 240 jovens morreram na Boate Kiss, há seis anos atrás? E ainda morre gente por falta de proteções anti-incêndio em ambientes coletivos. “Casualidades”.

Vocês lembram que quase mil pessoas, famílias inteiras, morreram nos desabamentos da região serrana do Rio, em 2011? E ainda morrem pessoas devido à enchentes, deslizamentos em áreas urbanas. “Casualidades”.

Vocês lembram que 19 pessoas morreram no desastre da barragem de Mariana, três anos atrás? E ainda morrem pessoas devido ao rompimento de barragens devidamente fiscalizadas e gerenciadas. “Casualidades”.

Quando o nosso ministro da educação chamou nossa raça de “canibais”, ele deu um límpido visual de como somos em nossa realidade: Somos canibais, vivemos dos despojos e da vida de nosso semelhante. Leis que punem bravamente o cidadão não afetam os amigos do Rei Estado. Quem produz riqueza e a divide com o Rei faz o que bem entende, e o Rei age exatamente da mesma forma, leviana e negligente para com seu povo. O Estado e seus amasiados se alimentam, tal qual urubu, dos cadáveres de seu povo. Nós VAMOS mudar isso, mas teremos de fazer como os britânicos na colônia e derrubar muito canibal para se aprumar nessa terra.