A Garagem do BB #25: Chrysler Turbine

A ideia de criar um carro movido a turbina começou na década de 50. Em junho de 1952, a Chrysler trazia um material publicitário, onde mostrava as características desse carro:

Funciona com quase qualquer combustível que passe por um duto, de querosene a óleo de caldeira, com consumo tão baixo ou menor do que você obtém com um motor a pistão de mesmo desempenho.

Tem um motor que pesa metade de um V8 convencional e, com os 140 cv que entrega à transmissão, equivale-se em desempenho a um motor a pistão de 200 cv.

Refrigera-se com o próprio ar, pelo que você nunca tem de se preocupar em abastecer o radiador (não existe um).

Tem apenas uma vela de ignição e cerca de 1/5 das peças móveis de um motor convencional — pense no que isso significa em redução de manutenção, ajustes e do custo de reparos.

Liga instantaneamente, mesmo no tempo mais frio, e não requer aquecimento.

Em maio de 1963 era apresentado “The Chrysler Corporation Turbine Car”. Tratava-se de um cupê de luxo de quatro lugares e tração traseira, com acessórios de conforto como controle elétrico dos vidros e direção assistida. Fora desenhado na própria empresa por Elwood Engel, estilista trazido da Ford.

A carroceria era produzida pela Carrozzeria Ghia SpA, de Turim, Itália, que já construíra limusines e numerosos carros-conceito para a Chrysler. Esta aplicava as carrocerias ao conjunto mecânico em uma pequena linha em Detroit.

De produção limitada, o Turbine não estava ainda à venda: seria cedido a usuários de diversas regiões dos EUA — foram envolvidos os 48 estados continentais — para a aguardada avaliação. Seis semanas após o anúncio, a marca acumulava 30 mil inscrições de interessados. Desses, 203 pessoas (60% proprietários de algum Chrysler) entre 21 e 70 anos, sendo 23 mulheres, teriam um Turbine em mãos por cerca de três meses cada, com manutenção efetuada por equipes especializadas.

Uma turbina não exige manutenção, não queima óleo e não detona. De quebra, está apta a fornecer potência total — e ar quente para aquecer o interior do veículo — desde o instante da partida, mesmo em temperaturas abaixo de zero. Seu funcionamento é extremamente suave, sem vibrações e com baixo ruído, servindo o regenerador como um silenciador. Por sua combustão limpa, quase não emite monóxido de carbono (CO).

As rodas de 14 polegadas recebiam pneus 7,50 x 14 e os freios, a tambor nas quatro rodas, possuíam servo assistência, mas não a vácuo como é usual: o tipo de motor utilizado impôs uma solução diferente, com ar comprimido. A suspensão dianteira usava braços sobrepostos e molas helicoidais, e a traseira, um eixo rígido do tipo Hotchkiss (similar ao do Chevrolet Blazer), com feixes de molas e amortecedores inclinados.

O Turbine Car não partilhava componentes com os Chryslers a pistão. O modelo tinha carroceria monobloco e dimensões próximas às do Dart da época (entreeixos de 2,79 metros), não deixava dúvidas sobre a motorização: as molduras dos faróis lembravam as tomadas de ar das turbinas de aviões e o local das luzes de ré parecia a parte posterior das turbinas. O teto de vinil estava de acordo com o gosto da época e não havia colunas centrais, como era usual em cupês.

Dirigir o Turbine Car era curioso: a sensação era de grande potência sem as vibrações inerentes a um motor convencional, aliada a um ruído moderado mas que lembrava o de aviões a jato. Consta que a Chrysler havia deixado os escapamentos mais ruidosos do que poderia, justamente para atrair atenções aos carros. O sistema, aliás, era composto de tubulações separadas para o lado esquerdo e o direito do carro, cada um começando em um dos regeneradores da turbina.

Uma turbina produz seu torque máximo (no caso 58,7 m.kgf na transmissão, próximo ao de um bom e grande V8 de seu tempo) na mais baixa rotação (veja as curvas de potência e torque). Assim, para aproveitar sua capacidade de aceleração, era fundamental manter o carro freado com o pé esquerdo e acelerar ao máximo com o direito, até que se atingisse o estol da transmissão. Liberado o freio, a aceleração era intensa e surpreendente.

No entanto, a Chrysler não ensinava essa técnica aos usuários, levando-os ao erro de arrancar sem “carregar” a turbina, como faziam sem dificuldades em seus motores V8 convencionais. Com isso, a turbina exigia 1 ou 2 s para entregar potência e o tempo de uma aceleração de 0 a 100 km/h ficava em torno de 12 s (a mesma demora em atingir potência ainda se verifica nos aviões a jato, à qual o piloto precisa se antecipar no caso de desistir do pouso e arremeter, o que não existia na era dos motores a pistão). O resultado era uma insatisfação geral com o desempenho dos carros.

O programa de 50 carros foi bem-sucedido. Não houve acidentes com as turbinas ou fatos inesperados e a maioria dos motoristas afirmava que compraria um, se colocado à venda a preço competitivo. Esse êxito levou a Chrysler a planejar uma produção em série, ainda que reduzida. Uma turbina de quinta geração, chamada A875, foi testada em dois Plymouths 1964, mas teve vida curta.

Os historiadores se dividem entre as possíveis razões do fracasso dos carros a turbina. Há quem o atribua à relação entre desempenho e consumo, no uso moderado que a maioria dos motoristas impõe a seus veículos — nota-se que a Chrysler nunca divulgou as médias de consumo dos 50 carros do programa –, ou à durabilidade e confiabilidade de alguns componentes. Outros citam as normas de controle de emissões que surgiam nos EUA.

Mas o maior obstáculo parece ter sido o custo elevado, tanto dos materiais utilizados quanto das ferramentas para sua fabricação. Como exemplo, eram necessários materiais com tolerâncias mínimas de expansão sob as altíssimas temperaturas (até 1.100°C) atingidas na turbina. Se uma nova tecnologia custa muito, é preciso que suas vantagens sejam muito expressivas para compensar esse fator. As da turbina, aparentemente, não eram.

No total foram feitas 55 unidades do Turbine de carroceria Ghia, cinco das quais mantidas com o departamento de pesquisas da empresa e as demais destinadas ao programa com o público. Apenas nove restaram: as 46 outras tiveram de ser destruídas (em geral incineradas) entre 1967 e 1969, por um fato inacreditável em termos de preservação da história — mas quem pensaria nisso à época?

Sendo as carrocerias importadas da Itália e admitidas pelo governo americano apenas para fins de pesquisa, por cinco ou seis anos, a Chrysler teria de pagar impostos para continuar a utilizá-las. Apenas por isso — ou por outros motivos, até hoje não conhecidos –, optou por fazê-lo apenas com nove unidades, das quais oito tiveram as turbinas removidas e a maioria passou a museus e coleções. Três permanecem sob propriedade da Chrysler, incluindo a única que ainda funciona com o inovador propulsor.

Links interessantes

.https://www.classicshow.com.br/site/conheca-o-chrysler-turbine-de-1963/
.https://www1.uol.com.br/bestcars/classicos/turbine-1.htm
.https://www.legendarycollectorcars.com/featured-vehicles/prototypes/chrysler-turbine-car-we-have-the-photos-and-the-story/
.https://www.popularmechanics.com/cars/a11786/jay-leno-drives-one-of-the-last-chrysler-turbines/
Neste link a destruição dos carros, inclusive com vídeo .https://bangshift.com/bangshiftapex/chrysler-turbine-cars-being-destroyed/