A Política Republicana, comentada

Bom dia!

Trouxe o Lima Barreto de novo. Não, ele não era monarquista, até era um crítico ferrenho do Império e da sua política confusa e encarniçada. Mas a República rapidamente o moveu em direção contrária à do pessoal arrivista, mallandro que se apossou do poder com o estrambelho do Deodoro. A gente estuda muito mal o período, culpa da bela porcaria que é a análise didática do período na escola.

A República brasileira tem três características muito interessantes: Uma, não nasceu de um processo popular. A população realmente estava metida em revoltas frequentes. O final do Império estava marcado por conflitos internos que amassavam a capacidade de resolução dos gabinetes de governo. Os custos enormes da Guerra do Paraguai castigavam as nossas contas e a pressão dos “Voluntários da Pátria”, principalmente os negros libertos em troca do serviço militar, amplificavam a briga contra a escravidão.

A Capital e as cidades no interior ferviam nesse fim de XIX. Revoltas menores eram duramente combatidas e haviam grupos que sempre se metiam em porradeiros contra o Estado. Aqueles “balaios” que a gente estudava preguiçosamente na escola eram um tormento para o governo, e suas brigas resistiram até a virada do XX. Era perigoso ser do governo no Maranhão. Bem, até hoje é, né.

Outra, os líderes republicanos eram um mix esquisito de positivistas de caráter duvidoso, neodemocratas afrancesados e uma galera que tinha ranços impossíveis e incontornáveis contra a fidalguia imperial. Uns achavam que dava pra civilizar isso aqui na marra, pegando a bugrada no laço e socando latim e filosofia neles. Outros pensavem que com os tiros de canhão certos o Exercito criaria uma linhagem de especiais, próceres da Nação do Futuro.

E mais aqueles eram uma galera que nunca conseguiu status e poder, por nunca ter alcançadop o agrado do Imperador, e tambem por não desejar isso – o ranço contra o Mauá em boa parte vêm deste ponto – e em certo ponto assumiu que apenas derrubando o Império teriam acesso ao Estado. Na época chamavam esse pessoal de “saquaremas”, periferia da política. Pensemos que a política do Hell de Janeiro nasceu disso daí.

E a terceira, NÃO HAVIA PLANO. O pessoal mais aguerrido pegou um Império enfraquecido pelas lutas internas, o Gabinete Ouro Preto era incapaz de agir por não ter recursos para cobrir os custos de uma intervenção militar urbana, não tinha diálogo político com o pessoal do NE e os paulistas e depois da Abolição, ganhou a inimizade de vários grandes latifundiários, que perderam muito de sua riqueza com a libertação dos escravos.

Haviam ideias e idealistas como o babaca do Constant e suas ladainhas no Colégio Militar ou o Silva Jardim que ficava discursando em cima de caixote contra o Império mas acabou morto, moído de porrada num reide de capoeiras pro-império semanas depois da proclamação. Estes deram a cara lesada da República inicial e sua bandeira meio bosta, rapidamente ajustada para a bandeira atual, que SIM, herdou diretamente o desenho da Bandeira do Império.

E haviam os políticos de carreira que viraram líderes de um Estado que nasceu quebrado, falido, com um povo alienado e ignorante, mais milhões de pretos que sequer tinham batismo, direito, e que rumavam para as cidades, pressionando tudo o que havia de estrutura. A República empobreceu rapidamente a população enquanto gastava energia e meios para proteger os seus “campeões nacionais”. O Café com Leite nasce deste arranjo inicial, onde quem tinha mais, mandava mais.

É nesse cenário doido, onde o povo virava bonde na rua, a Armada ameaçava varar a cidade com canhonaços de encouraçados, o povo saía às ruas para entrar na porrada com regularidade inglesa e todo mundo se sentia meio abandonado de tudo, que o Lima Barreto comenta. Um desalento ver que o Império, que era ruim, se transformou em algo tão pior que, no ano em que ele escreve isso, 1918, precisamos admitir: ainda havia bastante coisa pra piorar…

Bom dia. República é GOLPE!

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No Império, apesar de tudo, ela tinha alguma grandeza e beleza. As fórmulas eram mais ou menos respeitadas; os homens tinham elevação moral e mesmo, em alguns, havia desinteresse. Não é mentira isto, tanto assim que muitos que passaram pelas maiores posições morreram pobríssimos e a sua descendência só tem de fortuna o nome que recebeu.

O que havia neles não era a ambição de dinheiro. Era, certamente, a de glória e de nome; e, por isso mesmo, pouco se incomodariam com os proventos da ‘indústria política’. A República, porém, trazendo tona dos poderes públicos, a borra do Brasil, transformou completamente os nossos costumes administrativos e todos os ‘arrivistas’ se fizeram políticos para enriquecer.

Já na Revolução Francesa a coisa foi a mesma. Fouché, que era um pobretão, sem ofício nem benefício, atravessando todas as vicissitudes da Grande Crise, acabou morrendo milionário. Como ele, muitos outros que não cito aqui para não ser fastidioso. Até este ponto eu perdoo toda a espécie de revolucionários e derrubadores de regimes; mas o que não acho razoável é que eles queiram modelar todas as almas na forma das suas próprias.

A República no Brasil é o regime da corrução. Todas as opiniões devem, por esta ou aquela paga, ser estabelecidas pelos poderosos do dia. Ninguém admite que se divirja deles e, para que não haja divergências, há a ‘verba secreta’, os reservados deste ou daquele Ministério e os empreguinhos que os medíocres não sabem conquistar por si e com independência.

A vida, infelizmente, deve ser uma luta; e quem não sabe lutar, não é homem. A gente do Brasil, entretanto, pensa que a existência nossa deve ser a submissão aos Acácios e Pachecos, para obter ajudas de custo e sinecuras. Vem disto a nossa esterilidade mental, a nossa falta de originalidade intelectual, a pobreza da nossa paisagem moral e a desgraça que se nota no geral da nossa população.

Ninguém quer discutir; ninguém quer agitar idéias; ninguém quer dar a emoção íntima que tem da vida e das coisas. Todos querem ‘comer’. ‘Comem’ os juristas, ‘comem’ os filósofos, ‘comem’ os médicos, ‘comem’ os advogados, ‘comem’ os poetas, ‘comem’ os romancistas, ‘comem’ os engenheiros, ‘comem’ os jornalistas: o Brasil é uma vasta ‘comilança’.

Esse aspecto da nossa terra para quem analisa o seu estado atual, com toda a independência de espírito, nasceu-lhe depois da República. Foi o novo regime que lhe deu tão nojenta feição para os seus homens públicos de todos os matizes. Parecia que o Império reprimia tanta sordidez nas nossas almas.

Ele tinha a virtude da modéstia e implantou em nós essa mesma virtude; mas, proclamada que foi a República, ali, no Campo de Santana, por três batalhões, o Brasil perdeu a vergonha e os seus filhos ficaram capachos, para sugar os cofres públicos, desta ou daquela forma. Não se admite mais independência de pensamento ou de espírito. Quando não se consegue, por dinheiro, abafa-se.

É a política da corrução (sic), quando não é a do arrocho.

Viva a República!

(19.10.1918)