Fidalguia e desenrolo

Bom dia.

Esta semana li no meio daquela correria toda de manifestações a história do colega que conheceu um cara que fez um prédio bem na Praça da Sé, ali no miolinho caríssimo e estupidamente lotado de gente e cracudos de SP. E aquela questão básica: Como ele conseguiu? Nosso outro colega vaticina pandeirísticamente, ele que tem lingo histórico desse lance de contato com pessoas:

As relações PESSOAIS valem MUITO MAIS do QUE DINHEIRO. 
A Banânia vive de indicação / recomendações/ etc.

E é isso mesmo. Conhecer vale muito mais do que possuir. Ser político vale mais do que ter dinheiro. Saber o “nome dos caras”, ser chegado no “maluco que resolve os lances”, ter um bom despachante que cobre razoavelmente, ou um parente médico na UPA, advogado alfabetizado e que diferencie MAS  de MAIS, PM no batalhão perto de casa… esses contatos nos dão uma retaguarda moral e interpessoal imensa.

Brasileiro gosta de fazer as coisas na confiança. Eu por exemplo não entendo isso muito bem. Sou daqueles caras idiotas mesmo, que tem ranço desse negócio de QI, de “falar com o fulano”. E com o tempo percebi que SIM, eu poderia ter uma vida muito mais prática se resolvesse aceitar o fato de que sim, lá na Noruega, as relações interpessoais são fortemente limitadas pela atividade economica e social, política.

Aqui tu DEVE agradecer o camelô que está vendendo bala no sinal quando recusa a oferta. Não sei se amanhã algum colega dele ou ele mesmo possa me assaltar naquele sinal ali. Cordialidade, a gente tem de fazer as coisas “de coração”, pessoalmente. Temos de ser amigos do mecânico, do contrário você simplesmente perde seu carro. Quantas vezes mecânicos simplesmente recusaram mexer no meu carro por eu não ter chegado na oficina falando o nome de quem me indicou? Porra, indicação pra oficina?

É. Somos uma nação movida a fidalguia. Fidalguia, a base sociológica da nação, essa coisa de que ser filho de alguém, “filho d’algo”, ter sobrenome nobre, mesmo que tu fosse um bisneto bastardinho, já resolvia muito, abria portas. Sempre fomos assim. Brasileiro nasceu pra dar golpe e calote, então somente sendo amigo dos caras que tu evita o assalto, a confusão, o serviço mal feito, largado na metade. Todo mundo tem alguma história de pedreiro que sumiu na primeira semana de serviço.

Ser filho de alguém sempre foi o modo de ascender, de achar os caminhos, de conseguir chegar mais longe. Hoje em dia a fidalguia é exatamente essa cordialidade maluca, de você PRECISAR saber do nome do dono da firma tal pra que eles te façam uma proposta legal, o telefone da secretária do médico que tem agenda lotada pra poder desenrolar um horário e chegando lá na consulta, ver que não tinha ninguém sendo atendido a tarde toda. De verdade, isso nem é ruim, ruim é ter de fazer isso pra QUALQUER COISA. Em QUALQUER LUGAR. É exasperante.

Desenrolo é o termo pra descrever a ação das relações “de cuore”, cordiais, em uma sociedade que segue normas legais definidas. Tem a Lei lá, tem a Norma lá, mas tem o “desenrolo”, a esquiva, a “livre interpretação”, o “diálogo construtivo”, a “busca por alternativas viáveis”, o “esquema preferido”. Sem desenrolo você não consegue nem comprar um pão que preste na padaria. Cultura cartorial do cotidiano.

Somos um lugar de regras naturais, lei serve pouco aqui. Então temos de achar o jeito. Quem tem grana aqui descobriu como achar os caminhos. Como eu estava falando pro povo daqui, contando história ontem a noite: Os italianos que chegaram no meio do mato no Paraná não tinham desenrolo, não tinham nome. Arrumaram sua riqueza no braço. Os portugueses que vieram pra cá foram abrigados pelos que já estavam, vinham com os nomes de seus albergadores em cartas, trabaharam duramente pra honrar aquele “nome” ofertado. São os nossos dois caminhos de florescimento da civilização.

De um lado quem tem nome, mesmo emprestado, tinha caminhos e meios, minimamente (Se não leram, experimentem ler O Cortiço, é um tratado nacional sobre o assunto). De outro, quem tinha nome mas não era filho de ninguém que lhes garantisse nada. Estes dois mundos aí vivem se esbarrando todos os dias, o tempo todo. E não tem nada errado, é isso mesmo e ponto. É o esplendor da Banania, é o lubrificante da caixa de mudanças desse país. A gente ou se adapta ou bate de frente.

Bom dia!