O Nosso Mediterrâneo

Bom dia!

Em algum momento do blogue nesta semana se falou de como o clima e as condições ambientais influenciam miseravelmente os povos. Aquela coisa de nações geograficamente equivalentes ser profundamente discrepantes em relação a cultura, riquezas, evolução social e etceteras. Naturalmente esbarramos com nossos problemas e nossa cultura, como (mau) exemplo.

E isso em geral é feito da forma errada; Costumamos culpar o clima e a generosidade ambiental como fontes do nosso desarranjo social permanente. Bem, de certa forma sim, é por aí mesmo que a banda toca. Mas não por conta de algo assim, objetivo. Não é o calor tórrido de Natal que faz os cearenses votarem mal, por exemplo. Ou que a pobreza maranhense seja obra dos maus humores do clima local, abafado e molhacento.

O amigo nosso no Texas reclama bastante do calor desértico, lastimoso e fortemente mexicanizado. Outro, se estressa com a chuva que vai cair em Teresina pelos próximos dois meses. E, no final das contas as decisões erradas de muitos criaram lugares bons e ruins, tanto quanto desastres naturais. Mas infelizmente somos culturalmente apegados ao Rousseau e a sua teoria de que o meio modifica o homem, e pronto. Zero responsabilidade nossa, tudo é culpa da chuva e do calor.

Braudel foi um dos caras que inventou a geografia espetaculosa dos Jacques Cousteau, discovery channel. Geografia fortemente humana e pior, inventou lá nos anos 50 a metodologia pra separar rigorosamente o que é “influência humana” do “evento natural”. O cara começou a perceber quando ainda era acadêmico que nem todos os eventos humanos nasciam meramente da vontade de pessoas em fazer isso e aquilo.

Mais: percebeu que nem todas as mudanças estruturais nas sociedades da França, da Europa aconteceram em dada forma e direção somente por causa de política, ou por fenômenos ecológicos, que já eram notados, mas sim por causa da adaptação natural das pessoas a clima, relevo, variações naturais pontuais ou costumes sociais que determinavam movimentos humanos específicos. Em suma, Braudel percebeu que muita coisa que era “natural”, na verdade era fruto de um conjunto de fatores humanos.

Daí que a dispersão das populações na Europa não era determinada somente pelas zonas de ocupação e dominio romanas, e mais tarde pelas ondas de invasões bárbaras que se seguiram. Não era a vontade dos homens quem determinava ser este local melhor ou pior para formar uma cidade. Não somente. Ele percebeu que as rotas de pastoreio de ovelhas (a boa estatistica e tratamento de dados) na Europa Central no começo dos anos 1950 era grosso modo similar à dispersão populacional naquelas regiões.

As cidades europeias mais importantes obedecem a um padrão ligado à um ciclo onde rotas de pastoreio abriam caminho, e depois rotas comerciais se fixavam nos aldeamentos e pontos de descanso destes grupos. Ele percebendo isso conseguiu montar um modelo onde era possível reproduzir a expansão populacional da Europa em períodos anteriores à antiguidade clássica, onde a pobreza de informação escrita é a regra. USando ciência, decifrou um mistério das humanidades de então: Porque este e não aquele lugares se tornaram melhores e maiores, e porque este e não aquele lado do rio, ou porque cidades de clima inclemente prosperaram enquanto cidades em regiões cálidas e de geografia favorável permaneceram pobres por séculos?

Corta pro BR

Aqui temos um costume de falar em como a natureza foi bondosa consoco e como somos um país rico e próspero, com a política estragando tudo o tempo todo. E como é absurdo aqui não possuirmos infraestrutura e avanços estruturais que são mato na Europa e EUA são bizarramente distantes da nossa realidade. Isso não é de todo verdade.

Tinha lá no XVII um padre escritor – pleonasmo pois nesse tempo praticamente só padre e judeu sabia escrever o Latim -, o Gandavo. E ele reclamava horrores da ocupação portuguesa na região de salvador, porque o pessoal não entrava o interior, ficava ali no litoral roçando a areia da praia “igual caranguejo”, vivendo em franjas estreitas no litoral, sem se meter na brenha dos matos adentro. E ele lá ia reclamar disso nas demais províncias da colônia. Que todas assim eram, portugueses quase caindo no mar de tão embeirados na barra das praias e que isso era um motivo do atraso dessa terra.

E o cara sabia como era duro subir a escarpa, sair do litoral. Sabia que era duríssimo subir com juntas de burros aquele barranco miserável que chamavam de Serra do Mar. E que a queixa era desse jeito, mesmo. Onde não tinha mato e morro, tinha índio e serpente. Peguem no mapa as cidades mais antigas do litoral e vejam como era um INFERNO a interiorização, a entrada pro sertão, o “hinterland” daqui.

Então temos isto: até o XVIII o Brasil era uma colônia litorânea, onde a única forma de expansão bruta era com os bandeirantes, mesmo. Pessoal que metia-se no mato e à bala abria espaço e picadas, trilhas, subia as escarpas horríveis da “muralha” de mato e morros, alcançando as áreas ricas e cheias de índios e ouro do “sertão”. Então quase toda a nossa ocupação inicial esteve travada pela Serra do Mar ao sul e ao Norte os índios extremamente agressivos e o clima mais severo arrebentavam a entrada mais ao interior.

Obviamente cidades que possuiam riquezas em volume apreciável, na medida em que foram sendo exploradas, cresceram, mas é notável como toda a expansão populacional do Brasil esteve e está travada pela geografia complicada que temos. Simplesmente não tem como pôr trens diretamente dos grandes centros do Sul para o interior sem complicadíssimas estruturas de engenharia. Não dá pra fazer rodovias sem custos altíssimos em obras de arte viária. Não tem como por isso no Sertão nordestino porque os centros de riqueza estão longe de lá e a mobilidade pelos rios se revelou mais barata e eficaz.

Quando falamos sobre comparação direta de infraestruturas de países como EUA e China com a nossa, temos de levar em conta sempre este aspecto: o da impossibilidade de se fazer “caminhos rápidos” entre o interior e o litoral. Nossa geografia foi um fator determinante para a fragmentação da ocupação e limitante para a expansão atual dos novos pólos econômicos que surgiram no interior do país. Ficar reclamando e pedindo mais ferrovia e rodovia sem se ater ao problema enorme dos custos de uma expansão é meramente retórica de youtuber.

Bom dia e não, não dá pra reativar o trem em Parapiacaba.

Bom dia!