Pequeno Manual da Riqueza – Parte 1

Títulos Públicos com Juros Periódicos para a aposentadoria

Parte 1 – Visão geral

Introdução

Você quer um dia se aposentar e ter uma renda decente, sem depender do INSS para sobreviver, certo? Então é claro que você terá que poupar parte da sua renda e montar sua própria carteira de aposentadoria para isso.

Imagine que pensando nisso você investiu – tempos atrás – em um apartamento de R$200.000,00, e o conseguiu alugar por R$2.000 por mês. Imagine também que seu inquilino é um “inquilino ideal”, que paga tudo em dia e não depreda seu imóvel. Temos então um rendimento nominal de 12% ao ano, nada mal, não? É um belo começo para a aposentadoria.

Imagine agora que, depois de um tempo, seu apartamento “valorizou” para R$ 600.000,00, e seu inquilino ideal continua morando lá. Seu rendimento líquido continua o mesmo, mas agora é de “apenas” 4% do seu patrimônio. Passado mais algum tempo, seu apartamento “desvalorizou” para R$300.00,00. Novamente, seu rendimento líquido é o mesmo, mas agora corresponde a 8% do seu patrimônio.

Pergunto: Você ficou “mais rico” no período em que o apartamento subiu para 600.000,00? Você ficou “mais pobre” quando seu apartamento caiu para R$300.000,00? No final das contas, você não ficou com um fluxo mensal de pagamentos de R$2.000,00? Será que você no fim das contas está “mais rico” pelo aumento de R$100.000 no seu patrimônio, apesar de continuar recebendo os mesmos R$2.000,00 por mês?

Qual o seu maior risco nesse investimento: Ver seu apartamento de desvalorizar ou perder o inquilino ideal?

Pensando como alguém já aposentado, essas flutuações no valor de imóvel foram irrelevantes, não? No final das contas você continuou usufruindo da sua renda, como se nada tivesse acontecido.

Vamos então analisar a questão do risco do investimento por outra ótica: Ao invés de nos preocuparmos com o valor nominal do patrimônio, que tal se olharmos apenas para o fluxo de caixa que ele gera?

Investimento x Especulação

Antes de prosseguirmos, vemos que é claro que um gestor “ativo” poderia tirar proveito da situação acima: Se ele vendesse o imóvel a R$ 600.000,00 e o recomprasse em seguida por R$300.000,00, ele poderia dobrar o seu fluxo de caixa. Sim! Mas há um problema aqui: ao vender o apartamento por R$600.000,00, não havia garantia alguma que ele conseguiria recomprá-lo no futuro por R$300.000,00. E ainda por cima, ele se desfez de um excelente
ativo: O tal do “inquilino ideal”.

Nesse cenário, o proprietário não está atuando exatamente como um investidor, mas sim como um especulador, o que naturalmente não é errado, porém introduz uma série de novos riscos: agora ele não está mais preocupado se o inquilino paga em dia ou se não depreda seu imóvel, mas está sujeito à toda uma condição de mercado ser favorável ou não para essa operação. E se esse “trading” der errado?

Em outras palavras, o investidor trocou seu risco gerenciável (sua própria habilidade de encontrar inquilinos bons) por um risco sistêmico (como o mercado precifica apartamentos), e como em qualquer operação desse gênero, ele pode ganhar ou perder dinheiro nessa operação. E a última coisa que um aposentado quer é perder dinheiro. Talvez o investidor até tenha paciência e apetite por risco para fazer isso no seu período de acumulação de bens, mas arriscaria o mesmo aos 85 anos, já usufruindo de seus rendimentos? Dificilmente.

Risco x Retorno

Agora voltemos ao mundo real: É claro que não existe o inquilino ideal. Uma parte do rendimento deverá necessariamente ser usado para manutenção do imóvel, outra parte para montar uma reserva para cobrir um período de vacância, mais um tanto para cobrir custos operacionais e etc. Mas quanto fica o rendimento líquido? Seria 4%? Ou 7%? Não há como saber tudo a priori, principalmente porque não há como saber se seu inquilino irá continuar lhe pagando seus rendimentos periódicos.

Como investir em algo que não se sabe o retorno ao certo? Sem saber se o retorno futuro será de 3% ou de 6%, não há como decidir racionalmente se aquele investimento é bom ou não. E aqueles investidor que está montando sua carteira de aposentadoria deve sempre se perguntar: Qual é a melhor renda que posso ter no futuro para uma aplicação realizada hoje sem que haja um grande risco envolvido?

É claro que existem diversas respostas para as perguntas acima. Ao invés do imóvel, você poderia encontrar por exemplo ações da XPTO3 que deram 25% de retorno anual em dividendos no ano passado, mas você não sabe se no futuro ela dará mais lucro ainda ou se irá falir. Você está sujeito ao risco de mercado.

Você pode também ter ouvido falar de algum amigo de um amigo que comprou VTNCoins a R$0,01 e viu o preço subir para R$100.00,00, mas quanto ela valerá daqui a 30 anos? Haverá alguém para comprá-las? Você estará sujeito ao risco de câmbio e risco de liquidez.

Você poderia também pensar em investir em uma frota de veículos para alugar para motoristas do Uber, mas eles vão cuidar do seu patrimônio? Vão sumir com ele? O estado irá criminalizar essa atividade econômica? Você está sujeito ao risco sistêmico e ao risco regulatório.

Obviamente, não se deve investir em algo que você não sabe como funciona. Se você por exemplo é um grande entendedor do mercado de capitais, pode se sentir confortável para comprar as ações da XPTO3 por achar que os riscos são pequenos perante a oportunidade de investimento. Se você sabe reconhecer um bom inquilino, pode preferir optar por um imóvel, e assim por diante.

No final das contas, o maior problema de qualquer investimento é a incerteza quanto ao retorno futuro. Temos sempre uma relação de risco e retorno para analisar para cada modalidade de investimento, e, naturalmente, queremos sempre maximizar os rendimentos futuros, minimizar os riscos, e ter o mínimo de dor de cabeça para gerenciar tudo isso.

O retorno pode até ser relativamente simples de se estimar na maioria dos casos, mas quais são os riscos embutidos? Eles justificam o retorno esperado? Eu sou realmente capaz de avaliar de antemão quais são os reais riscos do meu investimento? Eu sei mesmo que meu inquilino não vai dar calote? Eu sei mesmo que a XPTO3 não vai falir?

Notas do Tesouro Nacional

É aqui que entram em cena os títulos públicos com pagamentos de cupom de juros: as Notas do Tesouro Nacional.

O Tesouro Nacional, que emite estes títulos, faz o papel do “inquilino ideal”. Ele vai lhe pagar sempre em dia (nem que tenha que se endividar mais por isso). E como ele é órgão de uma entidade soberana, esses títulos são definidos como ativos livres de risco: você sempre irá receber a sua parte.

O portador do título tem direito a recebimentos semestrais de cupons de juros e de resgatar o valor dos títulos no seu vencimento, e naturalmente pode reinvestir o valor resgatado e os cupons de juros em novos títulos.

O preço deles, em geral, varia com as condições de mercado, no entanto seus pagamentos futuros não são afetados por isso. Tal como nosso exemplo do apartamento que subiu e desceu de preço, um vendaval mercadológico pode afetar o valor de seus títulos, para cima ou para baixo, sem no entanto afetar os rendimentos que eles irão lhe prover.

Temos então uma visão um pouco diferente do risco do investimento: ao invés de nos preocuparmos com as flutuações do valor do título, que de fato ocorrem, estamos olhando para os pagamentos futuros, e esses valores não sofrem nenhuma alteração por condições atuais ou futuras de mercado. Inclui-se aí o valor do resgate do título no seu vencimento.

É portanto uma modalidade de investimentos bastante conservadora, não no sentido de preservar o valor do patrimônio investido, e sim no sentido de preservar seu fluxo de caixa. Por isso, qualquer carteira de aposentadoria no Brasil deve reservar alguma porcentagem de alocação para estes títulos. Estudaremos estratégias para isso nos próximos artigos.

Note que, em geral, estes títulos não são os ativos que oferecem os maiores retornos possíveis, mas como são por definição os de menor risco possível, oferecem uma das melhores relações de retorno/risco disponíveis no mercado.

E é exatamente por isso que ao menos alguma porcentagem da carteira de aposentadoria de um investidor conservador deve estar nesses títulos com pagamentos periódicos: se tudo o mais der errado, essa renda ainda está garantida até o vencimento do título, incluindo o resgate do principal.

Atualmente existem apenas duas classes de NTN que oferecem um pagamento regular de cupom de juros: O Tesouro Prefixado com Juros Semestrais, antiga NTN-F (Notas do Tesouro Nacional – Série “F”), e o Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais, antiga NTN-B (Notas do Tesouro Nacional – Série “B”).

A seguir

No próximo artigo, iremos analisar em detalhes as características desses dois títulos e como eles remuneram o investidor. Confira aqui a parte 2 do manual.