Uma conversa sobre Democracia

Democracia é um negócio complicado. Uma colega do trabalho esta semana me veio com essa questão, professor de faculdade dando aula de introdução ao direito já com montes de chorumelas. A questão era sobre noção de estado de direito, etc. Mas é claro, a coisa acaba recaindo no ranço de sempre da política atual, com um “o biroliro se reelegendo, TEM de obedecer a CF”, etc. E então eu expliquei à moça que a coisa é bem mais embaixo. Bem mesmo.

Pa inicio de conversa, democracia. Esse nome fica na boca de todo mundo, está cheio de babaca falando as asneiras mais tenebrosas com esse pretexto aí. Até cartinha de democracia do escambau apaeceu e com gente totalmente suspeita assinando e tirando fotinha. Obviamente temos de pegar o migué e separar o que se fala por aí do que seria mais ou menos o conceito clássico.

Democracia é poder do povo, mas que poder do povo? da maioria, claro. Maioria do povo, a maioria que decide em assembléia, em praça pública, na ágora grega. Democracia clássica, feito beijo grego, é coisa que os atenienses curtiam bem mas que nunca deu muito certo fora de lá da grecia. A gente sabe que não presta mas é aquilo… sempre dá alguma merda no processo.

Mas basicamente é um método de decidir, em paralelo à tirania, onde um decide por todos, ou a oligarquia, onde um pequeno grupo, normalmente os mais velhos da tribo, da família, decidiam os casos mais sérios. Povo se junta na praça, os que podem dar opinião (nem todos, nunca todos), e vão vendo as merdas da semana, e dai se escolhe lá levantando braço. Maioria vence, minoria cala a boca e sossega o facho, e vai se virando pra tentar arrumar maioria ou ver se consegue jeito de aproveitar as novidades.

Democracia é poder da maioria e o insatisfeito que se dane. E o mais irredento, revoltoso, podia até tentar confusão, pois era direito também de espernear. Mas isso não mudaria o destino dele a menos que seu esperneio fizesse a opinião da galera mudar. Ou o pessoal, ´perdendo a paciencia, o meteria no ostracismo, quer dizer, votariam democraticamente em quem seria chutado pra fora da cidade, escrevendo o nome do infeliz em conchas de ostras. O mais votado no “ostrákeion”, no jarro de conchas, era bicado fora e pronto.

Vejamos que democracia em primeiro lugar não difere muito da tirania. Democracia é apenas a tirania da maioria e só. E vemos que democracia sempre é estímulo para a oligarquia, na medida em que politikós mais sagazes poderiam ir gradualmente se adaptando aos gostos da maioria, e se tornando líderes, aristós, os melhores do grupo. É quase uma espiral, uma força centrípeta chupando tudo pra nossa velha conhecida, oligarquia, governo de pouca gente.

E isso em si não tem nada de errado, não, longe disso. É natural que em grandes grupos as maiorias se tornem o centro de poder e as minorias acabem se aglutinando em torno do poder central… é a tribalização das sociedades, é a essência da vida em sociedade. Esse lance de viver largados e pelados no mundo é bonito no papel, na vida real o eremita sempre é o mais frágil dos viventes em um dado momento. Porque como disse, as minorias sempre tentarão buscar o poder, ou se tornando maiorias, ou buscando fragmentar as maiorias existentes. Sempre haverão conflitos. Sociais.

E aí é que entra outro aspecto do assunto que eu estava tratando, como comentava logo no começo. Essa coisa de democracia sumiu forte, desapareceu do mundo por séculos. E acabou, vieram as tiranias e a ditadura romanas, depois as invasões bárbaras e a monocultura da Igreja. So quando o pessoal parou mesmo de morrer e se matar, bota mil anos aí por baixo, é que o pessoal começou a querer dar pitaco nas merdas que aconteciam, e assim chegamos ao Renascimento e depois, ao Iluminismo, que é grosso modo um revival daquele tempo greco-romano lá.

Toda a nossa cultura atual vem desse negocio aí, desse esquema de haver ‘democracia’. O que une o Lutero com Calvino e os caras do Cromwell e os inimigos do Maquiavel, é exatamente esta necessidade de se buscar meios de pitaquear o poder central, de furtar às aristocracias alguns pedaços de poder, ou ao menos, os orientar a olhar para baixo e pisar menos nos reles mortais, sacos de nada que era a plebe. Hobbes avisava que tipo, o poder do rei era o poder concedido pelos suditos, mas OK, deu hora de muita gente querer MESMO seu pedacinho, à moda grega.

As Revoluções vieram e criaram essa noção de democracia atual: todo mundo reunido, corta cabeça de fulano, degreda sicrano, mais duas moedas pra pagar a guerra com o vizinho, balança pra pesar a bruxa e etceteras. Democracias pilotadas pela intelectualidade local, ou por líderes carismáticos burgueses, ou religiosos ou mesmo nobres. A democracia à francesa. E a democracia com muita gritaria, chumbo trocado, fogo morro acima e pancadaria, na moda das colônias inglesas. Os dois sistemas são nosso padrão e os dois sistemas acabaram por arrumar as guerras mais perversas e terríveis da história da humanidade. Indiretamente, claro.

CLARO que a ideia de que todo mundo poderia opinar veio na carroça sem freio do capitalismo e seu subito empoderamento de milhões de pessoas que eram nada e de repente podiam apenas viver sem ser esmigalhados pelos tiranos locais, na geração de pequenas burguesias que assim como hoje, eram odiadas pelos tatatatatataravós da marilena chauí, exatamente por ser aquela galera que atrapalha as ditaduras e atrapalha os totalitarismos, para o bem e para o mal.

Vieram as guerras, boa parte do planeta foi diretamente influenciada pelos trinta anos de caos, e depois disso, ainda sobrou o socialismo pra nos atazanar definitivamente com a bosta de sua noção de ‘igualdade de condições, igualdade de meios’. Mundo todo sofrido, natural que houvesse MUITA minoria em péssimas condições, e poucas maiorias aptas a dar qualquer pitaco, fora o problemão da maioria absoluta que se sucedeu com os EUA e os soviéticos, que como sendo os seguundos da fila, se puseram a chiar querendo também mandar e escolher.

Aí ferrou tudo. Pois num mundo como este a democracia jamais funcionaria, mesmo sendo o melhor dos piores sistemas. E os povos foram se reordenando no tapa, todos apavorados, temendo que tiranos pudessem com suas oligarquias pessoais atirar o mundo novamente no caos. Os EUA eram seguros, eram A democracia. A URSS era absolutamente INSEGURA, com seu “excesso de democracia”. O equilíbrio? Ah, o equilíbrio…

A solução mais estupida sempre é a mais apreciada e foram os povos do meio, as ‘democracias ocidentais’ seduzidas pelo discurso da moderação, do murismo e da contenção, a Detènte do Petáin, aquele covarde, do mocho do Chamberlain, e dos caras que idealizaram a estapafúrdia ideia de uma União Européia, tipo o Olof palme, Hammarskjoeld, essas bostas que estão perdidas nos livros de História e são nomes de rua de bairro de rico, os que arrumaram um jeito de fazer bem a pior coisa possível.

A solução sorridente e vitaminada com grana dos EUA é a social-democracia que tanta gente desavergnnhadamente defende hoje como sendo algo ‘razoável’. A junção da democracia, esse sistema onde a maioria domina a minoria e pronto, com o socialismo, onde… não podem haver maiorias. A senha pro desastre estava dada lá atrás, mas diante do medo de tudo virar energia cósmica do nada, com uma piscada de um ditador qualquer, porque não tentar tergiversar e arrumar uma pizza com a geopolítica universal, né?

A social democracia é esse agregado instável, essa manteiga que junta gordura capitalista, pois havia muita e muita e tudo vindo dos EUA, com a água barrenta do socialismo latente e mentiroso, enchendo o saco ali do outro lado do muro de Berlim. Os capitalistas acreditando que o óleo é mais pesado, iria sempre se sobrepor à água enquanto os socialistas ficavam na certeza de que no final, todo mundo ia comer aquilo com pão e ia querer mais e mais, até o Infarto Final.

Enquanto houve manteiga pra todo mundo, e para todos os usos, a coisa fluiu e no fundo, no fundo a galera estava gostando desse negócio de financiar o sossego dos marxistas, tanto que todo mundo topou o exterminio dos mais radicais – ou negada acha que o apoio tácito dos eurodemocratas às revoluções marxistas em Angola, e Moçambique, pra ficar nos casos em que a UE DEVERIA ter interferido, era só ideologia? Deixa aqueles pobres lá se matando pra extravasar energia…

E os socialistas migraram pra onde poderiam ficar reclamando de algo. Se antes era a pobreza e a exploração, com toda a riqueza dos anos 1970, era o caso de ficar quieto ou acabar em Angola. Reclamemos das florestas, dos bichos, da poluição. Viraram ecochatos. Descobriram como daria pra ser civilizado, não ser morto como os babacas dum Baader meinhoff e tomar café saudavelmente sem ser trucidado pelos amigos meio esquisitos do IRA ou ETA. Pegaram a manha.

Depois veio o lance de representar e encher o saco pedindo mais espaço, mais espaço para as MINORIAS que eles mesmos criaram: Ambientalistas, eurocríticos, depois defensores dos homossexuais, migrantes, animais, e todos os etceteras que poderiam caber onde? sim, na Câmara de eurodeputados, a flor do totalitarismo do bem. Lugar onde todas as minorias teriam espaço e poderiam encher o saco uniformemente, tendo voz. Exatamente o OPOSTO da noção de democracia inicial, aquela lá de cima. Enfim, o resultado disso a gente já sabe.

Bom dia, ficou longo mas queria escrever o dobro, só não dá porque sei que paciência tem limite!