13 de Dezembro

Bom dia!

Momentos de crise exigem respostas duras ou contingência para controlar os danos. Você sempre vai escolher ou a passividade diante do inevitável, ou vai tentar tomar atitudes contrárias à confusão que se apresenta em um conflito, um desastre, uma questão pessoal. Não temos muito o que pensar se não estamos aceitando a impotência de quem vê um desastre da natureza, que realmente nos exige apenas a decisão de fugir desesperadamente.

E nesse contexto o pessoal deixou passar bem batidaço o evento.

É a História.

Brasil entre 1964 e 1968 estava já em um periodo de ditadura militar mas não era exatamente um sistema fechado. Ignorem solenemente qualquer um que fale o contrário e que comece a ladainha de “ditadura sanguinária” etc. Longe disso. Os militares que tomaram o poder eram basicamente dois grupos, os mais civilizados liderados pelo nosso Montgomery cabeçudo, Castello Branco, e outros grupos mais apegados aos caras da pedreira como o Kruel, o Costa e Silva.

Neste periodo o Brasil manteve todo seu processo democrático rodando de boa. Eleições, câmaras de deputados e senadores, justiça e etceteras. Eleição de congresso fechado, claro. Mas notem, os partidos abertos, os caras podendo fazer campanha e o escambau. Obviamente isso daria em merda. Os estudantes protestavam nas ruas, greves enchiam os jornais, e a confusão aumentava na medida em que a esquerda, que até uns dias antes queria impor um socialismo campesino nas nossas cabeças, esperneava e tentava encrencar a situação política.

Castello Branco morre em 1966, acidente de avião. Como vocês sabem, aviões caem. Nesa confusão os militares vão ter de enfrentar a falta de comando, a carestia arrebentando a população, com uma inflação crescente, as greves – que nem sempre eram meramente políticas, a situação economica estava sim, bem degradada – e a pressão de grupos internos que ora exigiam repressão imediata, ora  clamavam por distensão. Isso em 1966, não estamos nos 1970.

Essa junta vai por Costa e Silva, bem mais agressivo e menos afeito ao diálogo democrático no ano seguinte. Lembro que os comunistas tentaram matar ele em um atentado terrorista pouco tempo antes. Não estamos falando apenas de jovens protestando com florzinha na mão. Havia realmente algo bem complexo acontecendo no país, e a coisa estava escalando.

Costa e Silva senta na cadeira e resolve cortar a zero a leniência para com os esquerdistas mandando expulsar estudantes de universidades que fossem presos em manifestações, suspender verbas de custeio de estudantes e escolas, vetar greves em várias atividades essenciais como transportes e hospitais (não havia lei especifica sobre o tema), tratando o pessoal de esquera como “insurgentes”. A coisa foi escalando rápido quando entramos em 1968.

Ali a coisa toma o contorno do desastre que citei no começo. Parte da população genuinamente era contra o regime militar. E protestava constantemente contra o governo. E eram vários protestos, nada pontual, e era muita gente protestando. Volto a frisar: Era uma ditadura e havia muita gente protestando nas ruas, muita notícia contra o governo nos jornais, muita gente mesmo criticando.

Porque não era estável, porque havia carestia, porque pessoas de quem eles gostavam foram chutadas dos cargos, do país, porque o socialismo não vingou com o Jango (que nem estava preso, aliás… exílio uma pinóia…) que foi brecado logo no começo desse ano com sua tentativa de reorganizar a esquerda política… queixas, haviam muitas. Ótimo, era uma ditadura que permitia até reclamação pública, ora vejamos.

A percepção de que haviam movimentos de guerrilha no país, somada à crescente violência nas manifestações de rua, principalemnte naquelas organizadas pelos movimentos estudantis, mudou a visão do gabinete do governo sobre a situação. Nada foi de graça, certamente. A listinha do RA tá valendo até hoje, pra listar todo mundo que pereceu em atentados no período. Então, rememoramos: Com três anos e meio de regime militar já tinhamos atentados terroristas, quebra quebras nas ruas, protestos, congresso fechado e exilados.

Você está no começo de 1968 vendo os eventos encaminharem a um colapso, e tem de tomar uma decisão. A situação na Europa com os protestos estudantis de lá (jovens sempre foram vetores da luta socialista), o “maio de 68” só fez aumentar a pressão aqui. Os militares mais radicais já tinham argumentos para brecar essa “liberdade relativa” da população. O atentado contra o Exército em SP e a morte do “estudante” no RJ desencaparam os fios que ligavam essa galera toda.

De um lado os grupos estudantis pilotados pela UNE e pelo PCB além de vários movimentos sindicais clandestinos tinham o excelente argumento da morte de um inocente (não, o Edson Luis não era estudante…) para pedir o fim da ditadura, recebendo enorme apoio popular. De outro lado, os militares mais radicais, a “linha dura” queriam sangue pois mataram soldados seus na porta de um quartel, na calada da noite. A coisa já tinha ido pro vinagre.

Vem a Manifestação dos Cem Mil, parte da Igreja Católica tomando partido dos manifestantes juntamente da imprensa, e assim, os estudantes vão demandar ao Costa e Silva mudanças estruturais, etc… Ora, depois de tudo o que aconteceu e principalmente, depois de o governo ter mantido dialogo com a UNE – sem retorno – até sua radicalização (são fatos bastante documentados), Costa e Silva mandou os estudantes para o inferno.

Com o congresso em pé de guerra com o governo, mesmo na situação de ampla maioria da ARENA, negando ao governo medidas especiais, alegando a necessidade de, sim, respeitar a constituição vigente, o gabinete militar vê a impossibilidade de manter aquilo funcionando. É a escolha: Fecha tudo, vira ditadura real e efetiva e vai pra História com esse nome e essa pecha, ou deixa passar e tenta conter os danos diante de uma crescente desagregação social e política.

A briga com o Marcio Moreira Alves não era o unico motivo do AI-5. Mas a partir do momento em que os militares não mais aceitaram ser ofendidos – na verdade não foram, mas se sentiram incomodados com a piada do deputado, curiosamente como hoje em dia sói acontecer… – por políticos, e tiveram seu pedido de punição negado, encontraram o mote perfeito pra resolver um punhado de problemas com uma canetada só.

O AI-5 é resultado de uma diversidade de conflitos e da incapacidade de o regime militar atender aos anseios da população geralzona, que estava incomodada com a falta de mudanças, impedir o crescimento do socialismo estudantil, posto a Universidade, naquela epoca e hoje, aliás, ser uma fábrica de militantes, promover mudanças mais radicais na economia e sociedade, que eram fortemente limitadas pelo Congresso e pela natureza restritiva da CF de 1946, e criar os meios legais para promover a perseguição aos radicais e aos grupos violentos que já atuavam no país.

Não foi apenas um gesto de crueldade dos militares ali, antes foi uma equação, uma decisão: Todo mundo vai sofrer um bocado agora para que TALVEZ alguma coisa dê certo mais à frente. Pois sim, o AI-5 foi um ato ditatorial e excludente, SIM. E decisão tomada, anunciada em rádio, Costa e Silva botou seu nome pro julgamento da História. Bom ou mau o resultado, este ato determinou boa parte do que é o Brasil de hoje. Gostem ou não disso.

Agora, corta pra 2023 e imaginem a hipótese de o PT ter escolhido a data por alguma questão simbólica, alguma mensagem para o futuro. Apenas pensem.

Bom dia.