Cadeia Alimentar da Riqueza

O peão está lá com mais uns dez na rua do seu bairro. Sexta-feira, calor de uns 54 graus, abafado e mormacento. Clima de morte, parece aquela misturinha de filme do Franco Nero com clipe do los hermanos. Cavando, em algum lugar lá embaixo tem um furo no encanamento e só um está cavando, porque tem de fazer um esquema e botar o mais esperto pra acertar o buraco, antes de chamar a retroescavadeira.

Esse cara ganha uns 2k mensais. Tem um trocado de vale e passagem, somados dá coisa de 2,5k. Ele acaba gastando a maior parte do que ganha com comida, não tem lá muito espaço pra regalias. A única folga real no seu orçamento é o 13º e o FGTS, quando é mandado embora do emprego. Esse cara é a maioria dos trabalhadores brasileiros,aqueles que aparecem no CAGED. Ganham até 2k em empregos de baixa qualificação.

E a maioria dos trabalhadores ganha mal e pouco, mesmo. MAS, a gente tem de lembrar sempre que nossa percepção é profundamente adulterada pela realidade objetiva. Tipo, pessoal aqui estava discutindo sobre quem anda comprando carro zero, ou investindo em projetos novos e caríssimos em um cenário de crise. Mas crise, mesmo, é para quem? Temos de pensar nas longas “cadeias alimentares de riqueza” que temos por aqui.

Um exemplo? Aqui no Hell temos a Bacia de Campos. Milhares de pessoas trabalham naquela operação, alguns são nossos colegas aqui. Já pararam pra avaliar quanta riqueza este pessoal recebe das empresas que estão na campanha offshore atual, em nosso litoral? Pensem: Só a “Odebrecht” contrata uns vinte helicópteros pesados, paga salários, seguro, garantias e bonificações, infraestrutura embarcada, transporte em terra para suas operações. E para UMA unidade, e a BR tem mais de 40 plataformas em operação.

Pensa no dono da empresa de catering, ou na de equipamento de soldagem, ou de manutenção de aeronaves, os serviços de hotelaria, esse pessoal está ganhando muita grana conexa ao trabalho de O&G. Muita gente está recebendo muito dinheiro, mas não é
“muito dinheiro” no padrão Elon Batista, fique entendido. Gente que tem lucros de milhões de reais, mas que não são magnatas operessores. Tem sim muita grana, mas não o suficiente para moldarem sua existência na forma que quiser.

E esse pessoal é aquele que compra mansão na muzema, pra prefeitura derrubar e tem de fazer obra de novo no Terreirão… compra Defender elétrica zero parcelando 50% e viaja pra dísnei a cada seis meses. Esse pessoal toca a “pequena economia”. O dono daquele mercado fedorento perto da sua casa pode ter um patrimônio formidável, sem necessariamente ser podre de rico. Movem a parte de baixo da economia. Fazem obras e contratam empreiteiras, serviços técnicos, compram materiais e equipamentos, mobiliam a casa. Fazem a parte de baixo da economia andar.

Aqui pertinho da minha casa tem um maluco. Ele tem uma loja de material de construção pequena, uma de roupas e umas casas alugadas. O cara tem dois corolla hybrid, provavelmente estratégia pra patrimoniar grana. Acho estranho, mas é compreensível… E o cara é exatamente o empresário do fim da linha, que aproveita a riqueza criada lá na ponta – Aqui é um município que vive de royalties e do trabalho com a BR.

Tem muita gente se beneficiando dos focos de riqueza no nosso país. Agro, petróleo, farmacêuticas, setores que estão em alta e que despejam muitaa grana na economia. Estamos entrando numa fase mais severa da crise, onde a inflação começa a causar dano real na nossa saúde financeira mas, para uma galera enorme, isso não existe – seus preços e custos estão em dollar, e seus lucros se medem da mesma forma. A natureza selvagem da economia os afeta menos.

O peão lá do começo, depois de achar o buraco e passar o dia esperando acabar o serviço, vai tomar umas cerveja no boteco. O dono do boteco, vendendo aquela Polar dos infernos, vai fazer a grana que ele precisa pra terminar a obra da casa lá em Araruama. A empreiteira da obra do peão vai receber X reais pelo serviço tendo contratado o triplo de funcionários necessários. E o dono da empreiteira, com sorte, não comprou seu terreno na Muzema, preferiu arrumar um esquema no Recreio, mesmo…

Bom dia!