É a República, meu povo

Bom dia!

Então todo mundo curtiu o feriadão, pegou chuva, se incomodou no Mercado pra poder passar o dia confortávelmente largado no sofá, e pensou na maravilha que é um feriadão na sexta-feira. Obrigado, Deodoro.

CLARO que na nossa realidade aqui cutivamos um desprezo ranço infinito contra aquele velhinho barbudo de pijamas, mandado sair de casa na carreira pra montar num cavalo e ver a confusão passar. Uma confusão de gente que se amotinou contra um Rei igualmente velho e cansado, que exatamente havia dado a deodoro seus galardões e o ouro das botoeiras em homenagem à… sua lealdade.

Apesar de meu papo ser com a História, eu não estou nadinha a fim de discorrer sobre o parimento da nossa República. O grosso do discurso sobre o acontecimento foi fortemente influenciado pela enorme propaganda estatal do tempo de Vargas, que mandou o Capanema arrumar essa desordem em bons livros que pusessem cada bando em seu lugar histórico devido. Então para eu falar fugindo disso, precisaria do triplo do espaço e da pacinência de vocês.

Então eu trago para vocês esta situação. Brasil possuiu um dos impérios mais estáveis do PLANETA no século XIX. E isto não foi com paz interna, o Império foi pacificado na porrada. D. Pedro II arrumou isso. E era uma monarquia constitucional, totalmente apartada do absolutismo que tentava ressurreição na Europa daquele tempo. E pelo Império ter sido pacificado na porrada, as FFAA, que eram bandos de mamulengos e miseráveis pagos por empreitada, virou um dos esteios do Estado. Estou falando do século XIX.

Por isso o Duque de Caxias é tão respeitado. Liderou o Exército pela ordem do Imperador, venceu a guerra com os Balaios, depois foi espancando todo mundo no Sertão para arrumar a casa e depois, foi ao Sul se bater violentamente com o López, que tentava desesperadamente criar um conflito para negociar poder com a Inglaterra. Guerras vencidas, Caxias (ele nasceu aqui perto de casa) virou o penhor do Imperador assim como aquela negrada violenta e ruim de mando que a Armada botou nos barcos pra vencer os paraguaios. Como vocês já notaram, tem muita História neste parágrafo, mas deixa pra lá.

O Império tinha o problema da escravidão em vários planos. A produtividade era limitada pela cada vez maior dificuldade em obter escravos, os bens manufaturados ocupavam mais e mais espaço nas cadeias comerciais do mundo e o plantation ia sofrendo com isso. As revoltas de escravos repetidamente expunham a miséria do Império dependente de negros para sua geração de riqueza e exigiam cada vez mais meios do Estado para as controlar, até o ponto em que a Coroa mesma opta por um processo de flexibilização, uma “transição gradual”.

Pense que o Imperador mesmo considerava degradante o negro que combateu os índios na Armada ser o mesmo negro escravo no engenho. D. Pedro entendia claramente o problema mas os donos de terras entendiam que sem escravos o Império pararia. Vieram as leis de libertação e com elas a crise da Coroa com os senhores de engenho e coronéis. Mandou-se organizar imigrações da Europa. Trazer gente branca e capaz – estamos nos 1870 e neste tempo o Imperador concordava que os negros precisavam de uma transição para a civilização, e que nem todos os negros poderiam ser educados no sofrimento de um campo de batalha. Dispensável avisar que certos termos aí em cima exigem aspas para um entendimento correto.

Quando o Império entra em sua reta final o Elon Batista do Imperador, o Irineu, havia encaixado na mente do Imperador a ideia de que não bastava só libertar e manter a coesão do Estado, era preciso dar o salto que as grandes nações do mundo haviam dado anos antes. Irineu entendeu que aqui as coisas exigem muito mais esforço para resultados medianos. Mesmo assim fez falencias, enriqueceu, trouxe tecnologia e implantou aqui a ideia de que era perigoso vivermos sempre como um “fazendão”. Ele pegou isso e seus inimigos, também.

E aqui na Capital a política degradava a relação dos militares com a coroa. Os novinhos, bancados P E L A   C O R O A, assim como hoje, se tornaram sediciosos, depois de ter contato com a belezura da Democracia arrumada à guilhotinadas em França. Foram estudar para virar líderes militares, voltaram socialistas de barrete. E voltaram e encheram as escolas militares e os campos de treino dessa ideologia. Os barcos da Armada eram lavados com esse ideário de que a República era a modernidade e a evolução.

O Imperador estava cansado na sua reta final, doente dos fracassos na vida pessoal, das dificuldades em que o seu Império se debatia, doenças que o iam minando… E o visconde de Ouro Preto tentava ganhar tempo e impedir um golpe dos senhores de engenho, com todo o melindre possível. Mas estávamos nos 1890, a escravidão já era amplamente combatida ao ponto de as polícias de várias cidades não mais capturarem pretos evadidos, e a legislação permitia a vida civil de escravos à revelia dos seus donos, inclusive com a formação de uma base legal de autonomia e personalidade de direito. O tempo dos escravos estava acabando.

E os imigrantes trouxeram para o Sul uma pressão de trabalho enorme, criando um desequilíbrio que dificilmente poderia explicar a brutal discrepância entre a riqueza das províncias do São Francisco (ou da Capital) abaixo e acima. É uma tese antiga que foi limada pela “Nova História”, mas que eu acredito. O Sul mais culto, mais rico, mais organizado, mais estruturado e mais proximo do poder dominou o Império na reta final e modelou sua transição. Os ingleses não mais apoiariam o Imperador e não aceitaram as tentativas de transição sugeridas.

A quebra do nosso Irineu, a violência no interior por conta da dificuldade em manter a escravidão, a rápida evolução tecnológica que estava moendo o Brasil e nos fazendo virar periferia, a imigração brutalmente veloz de gente fugida da fome e da guerra na Europa, somadas à fraqueza do Imperador – a Princesa Isabel era a debatedora primária da coroa no Senado nos últimos dias do Império – e ao organização cada vez maior dos grupos políticos “republicanos” em SP, basicamente, com as revoltas militares e populares pipocando pelo Império nos levaram àquele maldito baile.

Veio o Baile, os militares resolveram trair à socapa o seu Imperador. Os alunos da Escola militar foram para a rua, armados de paus, espadas, a Armada pos os navios em aviso para o caso de qualquer coisa sair do controle. Militares prendendo o Imperador e sua Família no Paço, o Almirante, já marquês, Tamandaré pede ao Imperador para bombardear a Capital e o libertar, pois parte da Armada estava sublevada e brigando para desancorar outros navios em Niterói e salvar o Rei. D. Pedro II nega, e dai por diante a gente sabe o resto da história de cor.

A história de um velho Marechal cansado, chamado poela moelcada do Colégi Militar que até cavalo arrumou, pedindo que se vestisse em gala para bradas a República ali perto do Campo de Santana. Uma confusão de gente meio perdida e uns imprestáveis, gente que se amotinou contra um Rei igualmente velho e cansado, que exatamente havia dado a deodoro seus galardões e o ouro das botoeiras em homenagem à… sua lealdade.

Bom dia.