O povo deveria estudar Malthus na escola. Mas não estudam nem aritmética

Bom dia!

Essa foi uma frase que li no blogue na semana passada. Nem vou me dar ao trabalho de ir citando muito, o caso é mais de fazer umas obviedades sobre essa mania chata do pessoal de falar de coisas sem entender exatamente qual é o problema com elas. Tipo, coisa comum é a gente falar da questão dos aimentos no mundo e de como isso é perigoso, etc. Em algum lugar da conversa vai aparecer com certeza o tal do Malthus. Certeza, batata.

Malthusianismo é basicamente a ideia do cara lá, Malthus, no século XVIII, em que ele previa uma coisa bastante simples: A produção de alimento e de recursos cresceria, na sua percepção, em uma escala algébrica normal, linear. Por sua vez, a população no planeta cresceria em uma escala logarítimica GEOMÉTRICA. Desse jeito aqui, todo mundo conhece e sabe qual é.

Malthus vivia no final do século XVIII. Ali é um momento de impasse: De um lado ainda morria muita gente nas formas mais freestyle possíveis e em grande, grande quantidade mesmo, e de outro a comida era algo bastante escasso e de acesso altamente controlado, principalmente pela vedação do acesso à terra e as relações ainda próximas da servidão medieval. Enfim, enquanto Voltaire fazia suas piadas no jornal de Paris, umas cem moças de vinte anos serviam de elemento de tração para a roça em algum lugar da rússia central e o Jenner se virando pra acertar a vacina contra… a varíola.

Então o Thomas Malthus era sagaz. Ele não está cem pro cento errado no seu raciocínio. Ele na virada do XVIII já via as cidades se transformando em formigueiros de gente buscando sobreviver nas fábricas imundas do Império, e percebeu que algo mais profundo estava acontecendo. De um lado havia mais pessoas sobrevivendo sem trabalhar produzindo seu alimento, e de outro lado, havia uma melhoria gradativa na capacidade de se produzir riqueza. Ele temia o caos e advogava a necessidade de… controle populacional.

Já se trazia trigo do interior do continente, as plantações com arados metálicos eram eficientes e a introdução extremamente bem sucedida de plantios como os de batata, beterraba e rabanete deram uma cara diferente à agricultura europeia. E havia o Novo Mundo enviando milhares de toneladas de riquezas para a Coroa, riquezas que seus súditos, de certa forma, acabavam beliscando, e também se beneficiando. E as cidades, certamente eram insalubres e medonhas M A S ali era possível viver sem vários dos riscos inerentes ao trabalho no campo.

A cidade acabava virando um “oásis” para proteger os mais pobres, só dar aquela olhada num livro do Dickens pra entender o que significa para os mais pobres do XVIII esse negócio de ir para a cidade e buscar trabalho. Se tiverem saco, Os Miseráveis também é ótimo pra entender o contexto, sem se aferrar a preconceitos óbvios. E Malthus já havia se ligado: As pessoas estavam morrendo cada vez MENOS e havia MAIS PESSOAS sem produzir alimento, e havia MENOS campos produzindo em prol de MAIS indústria, mais “tecnologia”. E pessoas – a biologia era a ciência da época – tendiam a se multiplicar como qualquer organismo “vivo” – esse conceito é posterior.

E já deu pra perceber que há várias falhas neste contexto, mas estas falhas são fruto daquilo que chamamos de CDR, “campo de distorção da realidade”, naquela piada clássica do Steve Jobs: Estando perto de um evento, acabamos muito mais influenciados e moldando nossa percepção analítica ao que esta realidade próxima nos impõe. Malthus via seu mundo de então e pensava na linearidade de seu devir, sua evolução. Claro que está “errado” mas no fim do XVIII o pessoal realmente não percebia claramente a extensão das mudanças que estavam ocorrendo.

É “errado” entre aspas, pois o cara quando divulga sua teoria, o Ensaio Sobre o Princípio da População, está falando de uma realidade que inclusive perdurou até o final do século XIX. E ele estava correto quando percebia que a população vivia mais e morria menos. Volto ao exemplo da varíola, doença que era devastadora e que começou a ser debelada de verdade ainda no XIX, na Europa, em função da vacina criada. A Medicina dava saltos com ajuda da biologia e da química, o uso de máquinas automotrizes aumentou a eficiência do plantio no campo, barcos a vapor e refrigeração a amônia permitiram que se pudesse trazer carne in natura e cereais de locais distantes (a chave da riqueza argentina foi isso), e claro, a natalidade cresceu fortemente.

Malthus previa que num futuro onde a maioria da população não produzisse alimento e fosse dependente de um campo com cada vez menos pessoas plantando e colhendo, a fome seria um risco cada vez maior, já que em algum momento a população seria incontrolavelmente grande, e viveria mais e mais tempo. Só que essa conta não levou em consideração a brutal mudança de rota do planeta no século XX. Nem poderia, claro. Simplesmente o mundo mudou em uma escala imprevisivel.

Quem vivesse em 1900 nunca iria imaginar um mundo onde a gente plantasse qualquer alimento onde quisesse, e o pudesse guardar por anos, e pudesse fabricar alimentos e os distribuir para qualquer lugar do globo. Se entendia que a tecnologia seria o motor da humanidade mas ninguém iria imaginar o quanto uma descoberta como a dos fertilizantes químicos iria mudar TUDO, por exemplo. Em 1900 os ingleses comiam pão feito de trigo russo e fiambre de carne de Buenos Aires, mas não era assim explícito como a coisa evoluiria até nosso estágio atual, de enorme abundância de alimento.

Malthus nunca iria imaginar que hoje as familias não tem filhos, e que a natalidade cai constantemente na maior parte do planeta, de forma irreversível em muitos casos. E que as pessoas envelhecem muito mais, e produzem riqueza, uma riqueza em escala bem maior do que aquela do século XIX, por muito mais tempo. Mesmo os mulçumanos, com seus recordes de natalidade, tem hoje familias menores do que a cem anos atrás, e produzem mais riqueza do que seus antepassados. Isso era inesperado, com certeza.

Hoje vemos gente adulta discutindo fome como se faltasse alimento no mundo, como se as pessoas morressem de fome feito paulista no Sertão atrás de diamante, morto na beira da rua tentando comer sabugo de milho resssecado. Isso é balela, é ignorância em absoluto. E citam o Malthus sei lá pra que, provavelmente pra dar aquele sustinho. Cansa, claro. Mas se eu fosse europeu HOJE, ficaria digamos… um pouco preocupado com as novidades que a modernidade lhes trouxe ultimamente.

Relaxem, nossos problemas são outros. Muito sérios, mas não estes.

Bom dia, e se alguém fizer churrasco, me chame!