Aquele onze de setembro

Ontem estávamos falando sobre o 11/9. Reparemos: quase vinte anos depois, o impacto daquilo arrefeceu um bocado fora dos EUA, e, quem está nos EUA pode me confirmar, dentro do páis, também. Todos nós temos memória daquele dia desgraçado. Inclusive é um exercício de memória importante nós sempre nos lembrarmos de como era a nossa normalidade naquele dia. O desastre não manda aviso, e a sensação de iminente desgraça só existe no cinema, quando a trilha sonora reduz o volume e fica mais compassada.

Eu hoje ainda fico horrorizado quando vejo imagens daquele dia. E não tenho ninguém conhecido que morasse por lá na época. Mas a surrealidade de um ato de violência tão perfeito, tão improvável na aberração de sua ideia, e na perfeição absoluta de seu desfecho maligno me impedem de ter aquele olhar mais tranquilo sobre o passado. Raras vezes na nossa história o Mal conseguiu tamanha eficácia, tamanha perfeição. E isso é o horror absoluto, a total inépcia da Civilização contra a Barbárie. Já haviam tentado antes, seus maus desejos eram conhecidos. O que deu “certo”, então?

Lembro da noite daquele dia. Eu estava na UFRJ, logo no comecinho da graduação. Aquela noite foi muito doida. Os professores nem aula deram, todo mundo no corredor do IFCS, uma gritaria, gente apavorada por ter parentes nos EUA, gente sinceramente feliz da vida, vários foram beber nos barzinhos do entorno para celebrar a “queda do império americano”. Professor chamando alunos para a cachaçada, comemorando, fazendo festa, e outros debatendo quando os EUA iriam eliminar da face da terra… quem mesmo?

Já expliquei debalde como eu acreditava no socialismo e como eu achava que os EUA acabariam decaindo, pela natural superação do capitalismo moderno. Na época eu achava isso mesmo. Mas ali eu não achei graça nenhuma. Nenhuma. Não sei dizer o que não funcionava na minha cabeça, mas eu achava que um atentado daquele tipo não era algo que a humanidade deveria aplaudir. Gente comum, inocente, que até poderia ser simpática ao islão, ou anticapitalistas, socialistas mesmo, vai saber… gente com família, com a vida organizada ou não, sendo destroçada instantaneamente pela vontade de meia dúzia de retardados, homicidas. Nunca iria concordar com aquilo.

A resposta dos EUA, hoje podemos analisar com muita calma, a meu ver, foi tímida, limitada. “COMO ASSIM CARA? OS EUA INVADIRAM O AFEGANISTÃO!!!”. Sim, invadiram para achar quem? Bin Laden. Outro dia pegaram ele, né. Atiraram no mar. Prêmio sem provas. Morto sem corpo. Vingança sem troféu. Eu também achei e acho essa história toda muito esquisita. E tenho minhas teorias.

A meu ver os EUA deveriam não ir lá no Afeganistão para levar democracia e expulsar terroristas. Eles deveriam ENTUPIR AQUILO DE BOMBAS até o povo implorar pelo perdão por ter abrigado terroristas. Até as mães entregarem seus filhos, os filhos expulsarem seus pais por estes ser ou apoiar o Terror. Não era para ser uma missão civilizatória. Era para ser retaliação, era despejar fúria sobre quem quer sue estivesse respirando ao lado de terroristas. Era para ser um revide educativo e definitivo sobre como se DEVE temer seu maior inimigo. O horror absoluto, sem escala. Isso é cruel? Mas o que é cruel quando alguém fere sua família, seus filhos, seus pais? O que é crueldade? Qual o limite? Este não é o tema, mas fica o raciocínio aí.

Mas algo deu errado, não foi?

A forte resistência que os conservadores nos EUA tem de suportar hoje já era presente naquela época. A resposta fraca, e limitada, comedida dos EUA tem causa. Nada a ver com orçamento, embora os limites orçamentários tenham sido usados constantemente pelos Democratas para limitar, amarrar e constranger o governo do Bush Filho. Aí que mora o caso. Dá pra perceber nitidamente um paralelismo entre o mundo de hoje e o daquele 11/9? dá. Vamos ver.

Creio que o 11/9 tenha sido a oportunidade de ouro dos democratas para reassumir o poder com apoio popular. Estes, após o fragor dos momentos iniciais, se puseram inisistentemente a criticar o governo, e suas ações, e impor limites de toda ordem ao estado de guerra naquele momento. Sabe a ideia de retaliar e destroçar o adversário? Sim, esta foi fortemente criticada e os democratas agiram muito na inclusão de medidas mais restritivas e que beneficiassem grupos “fragilizados”, a despeito de seu apoio formal aos atos derivados daquele desastre.

A ascensão do grupo político dos Clintons mascarados pelo good guy, Obama, e sua “esposa”, tem relação direta a esta sensação de fracasso da população dos EUA diante da ineficácia da retaliação proposta pelo Bush Fº e pela crescente crítica ao governo em si, saindo do espectro da guerra e partindo para o conflito “interno”, aos conflitos raciais, de imigração. A coisa aparentemente passou a ter método, deixar de ser pessoal e virar estratégia. Estratégia política, claro.

Vou citar um pedacinho de um texto interessantíssimo do Perry Anderson, porque ele corrobora meu raciocínio.

“Nos anos 50, mais de 90% dos eleitores americanos de menos de 30 anos eram casados; hoje eles são menos de 30%. Os pares casados formam agora apenas 45% dos lares, e os que têm filhos, apenas 20%. Mais de um quarto da população já não se considera cristã. Essa liberalização dos costumes – compatível com o conformismo pró-mercado – foi mais longe entre os jovens e os profissionais liberais abastados, que tendem a votar nos democratas. A Califórnia, o estado mais populoso do país, tornou-se democrata, por maioria absoluta, em meados dos anos 90.

O efeito final dessas mudanças foi substituir uma política baseada grosso modo nas classes sociais por outra baseada nas identidades. As tendências tradicionais do eleitorado perderam importância ou deram uma guinada de 180 graus. Em 2008, a maioria dos eleitores brancos que ganhavam menos de 50 mil dólares por ano votou em McCain; a maioria dos que ganhavam mais de 200 mil dólares votou em Obama. Quatro anos depois, oito dos dez municípios mais ricos do país votaram em Obama”.

Aquele pessoal que estava dentro do governo Bush filho, que era bancado por gente estranha e meio suspeita estava lutando contra o que a maior parte da população desejava e acabou conseguindo uma virada poderosa no eleitorado. A vitória do Obama é a vitória desse pessoal, que cresceu na crítica à postura fraca e desorganizada dos Republicanos – que eles, democratas, ajudaram a sedimentar. Quem cria os obstáculos acusa quem tropeçou de ter falhado em alcançar os objetivos. E a vitória “racial e identitária” é exatamente a mudança de foco da política. Sai da ideologia, da opção política e partidária e vira um plebiscito ideológico, uma urna sinistra em que você vota se “quer” ou “não quer” negros, gays, mulheres, e só. Qualquer sinal de recusa é crime. Qualquer crítica, é crime.

Querem O SEGUNDO EXEMPLO? Katrina. O “furacão que mata negros”. Ali este discurso que já vinha ruim, foi amplificado enormemente. A ação do governo dos EUA foi enorme, mas a acusação de “pouco ou insuficiente” colou definitivamente. Os democratas exigiam reparação urgente e preferencial para os negros, mais pobres. Os roubos e saques nos estados afetados foram moderadamente combatidos, com parte da opinião pública sendo favorável aos que roubavam. Caos instalado, crítica reforçada. Discurso contra um governo que gastava mais matando afegãos miseráveis do que salvando negros norteamericanos miseráveis. Racismo e xenofobia, um combo.

Essa é a coisa nojenta. Se hoje vemos os mesmos grupos progressistas usando abertamente a Peste Chinesa para conseguir e manter poder sobre estados e populações, o 11/9 virou a mola propulsora de todo um novo discurso contra o Estado e a favor de “direitos sociais”, de “proteção a minorias”, de “controle de gastos militares”. Essa arenga de “justiça social” ganha espaço de forma intensa no refluxo da comoção inicial dos atentados. Gente que acha excessiva a resposta dos EUA e que até acha um exagero o ressentimento contra os islâmicos. Afinal de contas, o Pentágono já estava de pé menos de dois anos depois daqueles retardados terem jogado um avião nele…

O terrorista virou “excluído social”. E a gente se acostumou – mal – a toda essa maluquice.

Bom dia. Tomem sol, vão à praia.