Carteira Muquiranas

Introdução

Em meados de junho do ano passado eu comentei sobre montar uma “carteira muquiranas”, para fins didáticos, ou para estimular o debate mesmo.

Não avançamos muito nas conversas no blog, mas no fim acabei fazendo eu mesmo aqui um experimento que fui acompanhando mensalmente, e nem reparei que já se passou mais de um ano desde então, por isso é uma boa hora para apresentar o andamento.

A ideia é somente apresentar uma estratégia simples para montar e acompanhar uma carteira focada em renda, mas usando os conceitos de diversificação dos riscos, coisas que já falamos bastante também por aqui.

Bem simples mesmo, nada demais, mas usando cotações reais e valores investidos que são, creio eu, compatíveis com a realidade da maioria aqui.

Descrição da estratégia

As premissas utilizadas foram as seguintes:

Carteira hipotética focada em renda
Divisão em 4 grupos de risco igualmente distribuídos: Ações, FII, Tesouro Direto e Reserva de Liquidez (25% cada).
Aplicar mensalmente (aporte + proventos) no grupo que estiver mais defasado em marcação a mercado no fechamento do último mês
Dentro de cada grupo, escolher o ativo que estiver mais atrativo no momento.

Ou seja, apenas um aporte por mês, pra ninguém cair na tentação de ficar acompanhando cotação

E a estratégia de operação foi a seguinte:

Aporte inicial foi de 100K BRL no dia 12/6/2018
Aporte incremental de 1 Salário Mínimo por mês no primeiro dia útil, somado aos eventuais proventos do mês anterior (Por simplicidade, considerei o salário mínimo vigente no começo do ano como válido para o ano todo)
Aplicar de acordo com as regras acima

Também omiti os custos por simplicidade, o ponto aqui é analisar a alocação e evolução do patrimônio e da renda gerada pela carteira.

Ainda estabeleci uma regra adicional de “rebalancear em caso de distorções fortes”, que não foi necessária, pois não houve nenhum Joesley-day ou algo parecido no período.

Ativos

Sem delongas a respeito dos critérios, foram escolhidas 5 ações e 5 FIIs em 12/06/2018.

Na área de ações, dividi em 5 mercados mais defensivos e focados em renda. As escolhidas foram:

ITSA4 (Itaú S/A) – Holding do setor bancário (majoritariamente)
WIZS3 (Wizs seguradora) – Seguradora
ECOR3 (Ecorodovias) – Concessões Rodoviárias
MPLU3 (Multiplus) – Fidelização
TAEE11 (Taesa) – Transmissão Elétrica

Nos fundos imobiliários, foram também 5 setores distintos:

GGRC11 (GGR Copevi) – Galpões Logísticos
VRTA11 (Fator Verità) – CRI
MXRF11 (Maxi Renda) – Misto
MALL11 (Malls Brasil Plural) – Shopping
HGJH11 (CSHG Prime Offices) – Lajes Corporativas

Foram aproximadamente 5K para cada um deles. De um modo geral, são ativos com boa capacidade de ajustar suas receitas de acordo com a inflação.

No tesouro direto, dividi os 25K entre NTNB-2035 e NTNB-2050, mantendo o mesmo número de cotas para cada uma, apenas para ter um fluxo um pouco mais regular de cupons – ambos são semestrais, mas um paga em fev/ago e outro em mai/out, então temos assim um fluxo trimestral. Faço isso na minha carteira real também, já que ninguém perguntou. A vantagem óbvia desses dois papéis em relação às NTNF é que o seu rendimento é diretamente atrelado ao IPCA.

E por último, quanto à parcela de reserva, utilizei LFT, que não é a melhor opção, mas era mais fácil acompanhar a cotação, porém, num caso real, é melhor algum CDI+ com liquidez diária desses bancos médios. Mas como na simulação estamos omitindo os custos, essa mudança não deve trazer impactos significativos.

Usei o site Meus Dividendos para acompanhar a simulação, achei bem decente.

Resultados

Apesar de já possuir os resultados até setembro, fiz um corte no período de um ano a partir do início para simplificar a análise, apresentarei o restante oportunamente. Seguem os resultados para o período de junho de 2018 até junho de 2019.

A carteira fechou maio de 2018 com um saldo de 136,5K, o que dá um retorno nominal de 36,5% no ano. No entanto, parte desse incremento foi devido aos aportes no período, que totalizaram 10,6K.

O gráfico a seguir mostra o crescimento mensal orgânico da carteira (descontando os aportes) e também os proventos recebidos no período, segmentados por classe de ativos:

Aqui temos o crescimento nominal da carteira, mês a mês, segregado por classe de risco:

Por fim, a posição final depois de um ano (obs: MPLU3 foi trocada por TIET11, comentários na conclusão). Observem que o balanceamento ficou muito estável, praticamente todas as classes estão com 25% do total, embora existam distorções internas em cada classe.

As compras mensais foram as seguintes (sempre no primeiro dia útil):

Aporte julho/2018: GGRC11
Aporte agosto/2018: NTNB
Aporte setembro/2018: LFT
Aporte outubro/2018: MALL11
Aporte novembro/2018: LFT
Aporte dezembro/2018: LFT
Aporte janeiro/2019: WIZS3
Aporte fevereiro/2019: GGRC11
Aporte março/2019: LFT
Aporte abril/2019: NTNB
Aporte maio/2019: TIET11
Aporte junho/2019: LFT

Análise

Retorno

O retorno orgânico da carteira – ou seja, desconsiderando os aportes – foi de 24,74%, o que por um lado parece muito bom, mas por outro não é muito difícil de se conseguir no bull market pelo qual essa carteira passou. Ainda assim, se pegarmos os resultados mês a mês e retirarmos os outliers – 2 positivos e 2 negativos – temos um rendimento anualizado de 19,4%.

O total de dividendos recebido foi de 5,3K, ou seja, temos um yield-on-cost anual de 5,3%, lembrando dois pontos:

Como os ativos escolhidos possuem alta capacidade de repassar a inflação para suas receitas, podemos considerar a maior parte desse rendimento como sendo “ganho real”, ou seja, acima da inflação, e
Apenas 75% da carteira efetivamente gera renda, o que dá um yield anual de 7% sobre a parcela geradora de renda.

Risco

Não calculei a “volatilidade” da carteira pois para isso seria necessário acompanhar os fechamentos diários. Mas a volatilidade não é a única medida de risco existente, existem outros. Por simplicidade, considerei o Maximum Drawdown (rebaixamento máximo), que é simplesmente o tamanho da maior queda, o qual, no período, foi de apenas 2,39%, ocorrido no período de julho a setembro de 2018.

Ressaltando, novamente, que esse foi um período extremamente positivo para a economia, com bolsa subindo e juros futuros caindo, e não houve nenhuma “prova de fogo” ainda.

Qualitativa

Da parte qualitativa, não quero me aprofundar em nenhum ativo específico, mas vale apenas pontuar que a MPLU3 se mostrou um erro. Não por ser uma empresa ruim – pelo contrário, é uma excelente empresa – mas sim porque os controladores fizeram um malabarismo feio pra desvalorizar o papel para fechar o capital (Sócio é ON, dizem). Por isso, quando houve a OPA, o papel foi trocado pro TIET11, ou seja, mais uma elétrica, porém na área de geração.

Conclusões

Um ano é um período muito pequeno para se analisar uma estratégia de alocação, mas já foi possível observar alguns resultados esperados, especialmente no lado defensivo. Por exemplo, no período de março a maio de 2019, a bolsa caiu cerca de 10%, mas a carteira subiu cerca de 4%. Por outro lado, no período de junho a dezembro de 2018, a bolsa subiu 38%, mas a carteira subiu apenas 19% no mesmo período (lembrando que as ações representam apenas 25% da carteira).

Quanto aos proventos recebidos, certamente são bastante irregulares, mas apenas uma carteira composta apenas de FII poderia gerar renda mensal feito um reloginho. A estratégia de retirada mensal é um assunto pra daqui a 30 anos!

Pessoalmente, acredito que o ponto forte dessa estratégia é possuir sempre uma liquidez mensal adicional para os novos aportes (observe que os proventos incrementam em 50% os aportes), e focar os aportes na melhor opção relativa no momento do aporte. Acredito que isso traga um bom potencial de valorização e uma boa defesa contra períodos de queda.

Mas ainda é importante passar por algum stress de mercado e conferir o impacto no rebaixamento máximo. Outra variável importante a se acompanhar a partir de agora é o crescimento dos dividendos ano-a-ano, e conferir se ele de fato supera a inflação. Vou continuar com o foward-test dessa estratégia e ir soltando os resultados mensalmente.

Lembrando a todos que isso é apenas um estudo qualitativo e não é nenhuma sugestão de investimento, ok?