Catastrofismos de costume

Estava falando pela semana no trabalho sobre filmes e como anda hoje havendo um revival dos filmes-catástrofe. A mídia sempre irá refletir as ansiedades da sociedade atual, caso seja realmente uma mídia de massa, claro. E o cinema atual tem retomado a tônica dos filmes de fim de mundo, obviamente fruto de uma sensação estranha de desesperança generalizada neste momento pós-peste chinesa.

Pessoal reparou em como os filmes atuais, aqueles blockbusters mesmo – nada de filme iraniano, pelo amor – andam violentos, fantasiosos, horríveis de roteiro e conteúdo? Seria a “marvelização” da cultura. Trocamos a necessidade de roteiros, histórias, uma fantasia pra chamar o paciente lá, o espectador, por uma linearidade de efeitos especiais e chiliques digitais a torto e direito. Sequer há necessidade de locações, de cenários, de indumentária. tudo é digital e tudo é totalmente desapegado da realidade. Isso a meu ver é ruim.

E eu estava comentando com o pessoal sobre esses modismos culturais e lembrando que temos bem uns 50 anos em que Hollywood está tocando a sua plateia de acordo com um método bem delineado. Claro, temos o Guerra dos Mundos lá atrás de referência, e até o começo dos anos 1970 o negocio era terror assim, externo. Provavelmente culpa de uma memória de guerra recente e constante, era simples apontar o inimigo pra fazer os roteiros. Era o estrangeiro, o alien, o estranho, o antinatural, incivilizado. Não era simples mas era bem entendido.

Chegamos no final dos an os 1960 com aquela arenga toda de nova era, mudanças espirituais, beatles fumando maconha e black power, hippies e nesse balaio de gatos, o tema ambiental chega à cultura geral. Chegou virgula, o que chega é o discurso neomalthusiano, aquela arenga de gente como o Alvin toffler, de que o povo ia morrer de fome em 2010, teriamos vinte bilhões de almas lutando pela sobrevivencia em um mundo destruído pela poluição e ganância somados à desunião entre os povos. Este tom era diferente do usado até então pelo pessoal mais alarmista. Até o final dos anos 1960 a gente meio que sabia como o mundo ia acabar: bola de fogo nuclear, volta instantãnea ao Pleistoceno. O BO era com a gente mesmo.

O papo agora era ambiental. Jacques cousteau ia fazendo seus docs falando que a gente estava ferrando geral, A ONU começou a fazer uns papéis sobre o clima, o greenpeace jgando tinta no pessoal em Bonn e Bruxelas, o terror das usinas nucleares, os tratores derrubando tudo na amazônia na base da correntada, as geleiras derretendo, as enchentes na Índia, a fome horrenda na China e as secas tenebrosas em Biafra, Bangladesh… Enfim, entramos 1970 sabendo que o Planeta estava “morrendo” e que a gente era o agente parasita, bem entendido.

Quer dizer, não é mais o soviético bêbado e estúpido quem vai matar todo mundo. Nem o redhead drogado tacando napalm no vietnam. Éramos NÓS os culpados e NÓS MESMOS atraímos a fúria de Gaia, a mãe natureza, que estava deliberadamente tentando nos matar para se salvar. Feito a abertura do Spectreman, quem é velho conhece: Os monstros que destróem Tóquio são criados pela poluição que o homem joga nos rios e mares. Ponto. Os japas pegaram no pulo o BO contemporâneo, aliás. A ideia comum estava na pista e funcionando – somente uma mudança radical resolveria o esquema aí.

Holywood foi educativa a beça no processo. Quem viu O Planeta dos Macacos sabe exatamente do choque na sua mensagem final. O mundo “acabou” e a culpa foi NOSSA mesmo. Depois a coisa vai evoluindo. Tem Aeroporto (você CONHECE ESSA TRILHA SONORA) pra você aprender que o homem é falho pra cacete e qualquer bobagem, geral se ferra sem chance. Omega Man (COVID versão V8, você já assitiu o remake com o will smith e o cachorro) e aquele catuco básico sobre geral morrendo de alguma doença insuspeita, sabe… Soylent Green (o que é mesmo esse troço?) pra nos avisar da FOME ABSOLUTA, o Exorcista pra dar uma bombada na nossa culpa pessoal – DEUS pode estar nos punindo, etc… E por aí vai.

O lance é: Vai dar ruim e a culpa é NOSSA MESMO. Esse lance de culpa pessoal segue à risca o processo que chamaríamos de “mentalidade progessista”. Notemos que há várias linhas de discurso na produção de mídia no período, muitas, mas eu parei pra avaliar as que deram MAIS DINHEIRO, mesmo, linearmente. Há filmes que deram mais grana, mas o cinema-catástrofe gerou mais subfilmes e curiosamente, sendo um tipo de produção novo, quase a translação da Sci-fi pro cinema pipoca. Tipo, na virada dos 1960 pros 1970 os filmes de desgraça e mortandade criaram o que a gente chama de “blockbusters”. A valores de hoje O Exorcista deu mais grana que Star Wars, no lançamento. Tenso.

E essa ideia de que “a culpa é nossa” é o bumbo que meio mundo hoje bate vigorosamente por ai. A Greta não nasceu de um chapéu de cogumelo, embora ela pareça uma smurf. Ela é resultado de décadas de uma construção delicada em que a culpa pelas mazelas da sociedade recai sobre VOCÊ, cidadão comum e honesto trabalhador, que ignora os mandados de cientistas, as recomendações de especialistas, e estudos caríssimos bancados pelas melhores universidades do planeta. Você, que come demais, suja demais, usa carro demais, vive demais, quer coisas demais. A culpa é SUA MESMO.

A mídia hoje toma como natural esse discurso ambiental. E toma como natural culpar o homem pelos desastres que acontecem indistintamente. OK, um deslizamento na favela acontece porque o homem interviu no morro ou porque o morro é naturalmente instável? Esquece, ninguém mais debate essas coisas. O barranco desce e a culpa é do aquecimento global. Culpa do meio ambiente desordenado. Do CFC. Do peido da vaca. Do canudinho de refrigerante. Daquele litro a mais de água que você usa pra escovar os dentes. A culpa É SUA. A ciência disse isso.

É só um raciocínio pessoal, mesmo, gente. Semana que vem volto a falar de política! 😀

Bom dia!