Das vantagens de ser boca de siri

Bom dia!
Ontem uma amiga faladeira, daquelas de me mandar vinte áudios por hora no zape – e eu sou cavalheiro e não ouço nada em 2x… – me mandou um linque duma matéria d’O Globo, este jornal cadavérico, falando de uma daquelas pesquisas e artigos de autores de algum college inglês com teorias inteiramente extraídas da bunda, mas que necessariamente viram algo aparentemente sério com a entonação correta.

Era o assunto: quem fica mais calado na vida pessoal e nas REDES SOCIAIS em tese tem mais sucesso e mais projeção profissional e mais sossego na vida familiar. Basicamente o autor pretende que todo mundo para ser feliz deva ficar CALADO, para assim a paz exterior não ser compurscada por bobagens que nós venhamos a soltar, etc.

Bem, o negócio tem até lógica na vida real: No trabalho, reclamar do chefe e do café e da colega preguiçosa e do povo que imprime a bíblia comentada em tamanho A3 e da mocinha que chega na segunda feira cheia de cachaça na cara e do chefe que teima em usar errado o webmail pra cobrar as figuras erradas e o ar congelante que exige a indireta pra coroa chata do outro lado do salão… tudo isso nos cobra um preço, claro.

Falar muito, fofocar é chato demais. Pessoal que vive no rome ófce já percebeu como é maravilhoso poder trabalhar usando aquela regata do Náutico de 1992 tomando um litrão de Polar enquanto está naquela reunião técnica chatíssima com os indianos do suporte, quefalamnalggumtipodelenguaparesidaleevementecomingreis… Zero etiqueta social, e se dane o resto. E na vida real, in loco o povo fofoca demais.

E tem a galera que ainda hoje exibe os intestinos em redes sociais, se gabando de qualquer parada que faça e enchendo a merda do instagrão de TBTs infinitos de 2007 e recheados de indiretas pra 74% de seu grupo familiar e amigos… Isso também é um saco, provavelmente porque eu já conheço a pessoa, e fica meio tosco curtir os mesmos eventos todo ano…

Mas aí tem o bode: Estamos em um tempo onde todo mundo leva tão a sério a opinião pessoal que até se pretende a proibir, limitar! E eu pensei logo quando vi a matéria num ponto insuspeito… Ficarmos calados é bom, mas em relação a QUE? nossa vida pessoal, nossas relações sociais, ideias… este é o ponto que mais me incomodou no assunto. Pois vivemos tempos tensos onde exatamente a nossa opinião vem sendo constantemente criminalizada. Há por aí muita gente interessada no silêncio da maioria.

Você pega um chinês e ele tem uma longuíssima tradição de silêncio pessoal. Txaina não dá opinião, ele te bate antes de se expressar. Sentimento reprimido, diria a psicóloga. Essa coisa de silêncio positivo é interessante quando você sabe exatamente QUEM irá te prejudicar. Tipo o cubano na piada, que diz que “não pode reclamar da vida” na ilha. Essa sensação de ameaça implícita é um veneno pra nossa sociedade.

Porque essa cultura woke dos infernos encheu as empresas de ESG e toda a babaquice de culpas e pecados sociais. Eu não tenho nada a ver com a vida do cara que fala monte de merdas a favor de ideologias ou crenças ou pessoas de quem eu discordo frontalmente, sequer vou me sentar à mesa com este bicho ou buscar algum tipo de interação social, mas se o animal lá faz seu trabalho e não atrapalha o meu, e não me enche o saco, vida que segue. Não vou deixar de dar minha opinião por temer o conflito, mas vou evitar sempre dar atenção pra maluco.

Acho que este ponto faltou no argumento do cara: tem pessoas e pessoas, qualquer tentativa de uniformização é venenosa pra todo o grupo social, toda a comunidade. Há o quieto e há o falador. Eu posso manter no grupo um quieto estúpido, de dificil assimilação porque ele é “calado” e estar assim perdendo oportunidades de melhoria no serviço, por exemplo. Eu tiro fora a menina chiliquenta e chorona que parece um formula 1 de tanto desenho na lataria, mas que é boa pra caramba na parte de auditoria e escreve em português regular. Ganhei?

Devemos manter silêncio sobre o que é importante, o que é estritamente pessoal. Isso é básico e sinceramente, seu sucesso ou fracasso não irão depender daquilo que você esconde. Ainda mais hoje em dia, onde somos pessoas “acháveis” com facilidade. Se você tem educação, modos, e expertise naquilo que faz, não terá problemas falando ou não. Se o problema é ideológico, não importa o que te peçam, quem lhe exige espera somente o SIM, então você mente e fica tudo em casa. Inteligência emocional etc etc… coisa antiga.

Não importa o quanto você fale, importa O QUÊ você fala e PARA QUEM.

Infelizmente essa maluquice se espalha sorrateiramente pela sociedade. De um lado gente que quer insistentemente que você cale a boca para seu próprio bem e para a saúde da coletividade… de outro lado, temos gente que desesperadamente acha que tem infinitas coisas legais pra falar para todos. Aos berros. Num bar, sábado a noite. Ao vivo na internet. E nesse rolo quem está no meio? Vocês, estão de que lado, mesmo???????

Eu não curto karaokê e sei escrever e-mails de uma linha.

Bom dia!