O lance do microondas

Bom dia!

Ontem no nosso glorioso e laboriento grupo de zape-zape, alguém postou um daqueles textos sub-quase-científicos-que-sua-tia-posta-nos-grupos-de-zape. Era um lance assim:

“O governo japonês decidiu se livrar de todos os fornos de microondas do país, antes do final do ano. Todos os cidadãos e organizações, que não cumprirem este requisito, enfrentam penas de prisão de 5 a 15 anos, dependendo da gravidade do crime.
  A razão para a proibição de microondas, na terra do sol nascente, é uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Hiroshima, que descobriu que as ondas radioativas causaram mais danos à saúde dos cidadãos, durante os 20 anos com o uso do forno de microondas, do que o bombardeamento nuclear de aviões americanos, em setembro de 1945.
  De acordo com os resultados dos especialistas, os alimentos aquecidos em um forno de microondas apresentam vibrações adversas, em desacordo com os ritmos universais.
  Todos os principais fabricantes de fornos de microondas no Japão já fecharam suas instalações de fabricação. Em 2021, o fim da fabricação de fornos de microondas será anunciada na Coréia do Sul. A China planeja abandonar esse tipo de tecnologia em 2023.
Envie para as pessoas que você ama.
Faça isso, porque bondade não custa nada …”

Bem… vou dar um exemplo do problema. Sempre contava essa história para meus alunos quando explicava o sentido do Renascimento para a História. É rápido, paciência.

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Estamos no ano de 1375 da Graça do Senhor. Você é um camponês, completamente alanfabeto de pai, mãe e irmãos, andando numa escarpa molhacenta, uma pirambeira qualquer ali perto do Vesúvio, Terra do Senhor, aliás. Tentando ir até um porto, arrumar algo pra fazer e comer. Você é distraído, esqueceu de guardar o domingo e na sua caminhada ingrata debaixo de uma chuva nojenta de maio cai pirambeira abaixo. Rola ins 50 metros, coisa do tipo. Cai e quebra sua perna.

Enquanto você está lá com sua perna em Z urrando de dor volta e meia algum transeunte passa lá no alto, e ouve seus berros de dor e desespero. Ouvem e a) se regojizam por Deu ter punido VOCÊ e não eles por algum pecado difuso b) Se compadecem de seu ifortúnio ms não lhe acodem já que ao fim e ao cabo, você deve ter merecido tal infortúnio e c) afinal de contas, você vai morrer, mesmo, Deus quer assim.

Mas você deu sorte e alguma boa alma, um pagão (pensem nesta palavra com aspas) que conhecia um pouco da matéria das coisas antigas e dos matos que fedem e conservam, viu seu desespero e por curiosidade te acudiu, viu que tu era ferrado demais pra ser roubado, e apenas pôs os pedaços de sua perna no lugar – claro, COM DOR – e te tratou de leve. Talado e torto, tu depois de uns dias chegou ao porto, finalmente. Meio aleijado mas vivo. Sorte, presumo. Desde que algum dos que lhe viram agonizando não o reencontre vivo e coxo.

Aí seria problema – Pra você não ter morrido e em sendo um desgraçado isento do perdão divino… só poderia ter sido BRUXARIA. Meu colega, a partir do momento em que algum destes caras lhe denunciasse à Sé e ao Ofício, você estaria PERDIDO. Você e quem te ajudou, claro. Pois mudar a natureza das coisas divinas era pecado terrível, e só o poder sobrenatural emanado dos Infernos poderia miimamente perturbar a Ordem Divina. Já elvis, mano. Tortura, fogueira, fim.

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Corta para 2019. Temos ciência, penicilina, artes de engenho fantástico que fazem os corpos coisa até simples de ser reparada, remedios baratíssimos curam a maior parte das doenças que dizimavam o povo poucas décadas atrás, qualquer um de nós podendo fazer uso de conhecimentos que eram explicitamente magia, feitiçaria a dois, três séculos atrás, apenas lendo alguns textos públicos. Lavamos as mãos com sabões para comer nossa comida cozida e preparada.

Nossa cultura atual pode ser estruturalmente inferior à construção cultural medieval, por exemplo, mas tecnicamente, instrumentalmente nunca tivemos tantos recursos, tantos métodos de prova e verificação científica, tanta gente pensando tanta coisa para melhorar e aperfeiçoar a sociedade (SIM, é o fato) e tanta informação acumulada e acessível em lingua geral, e com um suporte praticamente universal. Sociedade do conhecimento blablabla…

Como é possível a tanta gente acreditar, ou ao menos ter dúvidas de coisas bizarras feito a história do microondas? Há inúmeras lendas urbanas sobre tecnologia, obviamente algumas são verdadeiras – por exemplo a luz no espectro do azul, emitida pela tela do monitor do PC causar insônia e perda de atenção, depressão -, outras são exageradas (como o caso de sua amiga que dá selinhos nos seus gatos de estimação alertando que você vai MORRER se não tostar o frango por causa salmonela…)… e tem esse lance do microondas.

A gente ri, curte, sacaneia mas bem… eu pessoalmente fico preocupado. Até pelo fato de a maioria da população preferir acreditar “de leve” nestas maluquices por desconfiar da ciência, da técnica, do conhecimento acumulado. Nem é um tin hat society, mas nossa população prefere duvidar de tudo sem buscar ter certeza de nada. Ignorância, mesmo.

Bom dia!