O problema do sal

Bom dia!

Eu era moleque, criança lá pros meados dos 1980, e assistia com regularidade extrema o Globo Rural. Extrema, era aquela parada de acordar cedinho pra ver o programa. Sempre gostei, até hoje, independente do lixo que é a emissora, assisto. E lembro bastante dos anúncios da Salgema. Era um dos patrocinadores mais constantes do programa.

Propagandas daquelas tipo filminho com maquinário, umas paradas sem nenhum sentido pra mim, uns caras de capacete branco e roupa azul, mar, tal. Lembro absolutamente. Só fui saber do que se tratava no final do primeiro grau, quando eu conseguia entender o que estava nos livros de geografia da minha irmã, e fui saber que era… sal.

Tá, beleza, passaram anos, esqueci desses negócios, exceto quando eu ocasionalmente, quando dava aula sobre IIGM e falava do nosso esforço de guerra, e citava a CNA em Arraial, como exemplo de problema industrial pro futuro, mencionava a Salgema e seu BO enorme lá em Maceió. ISSO eu dando aula no começo dos anos 2000 e a gente já sabia que ia dar rolo, haviam várias pesquisas frisando que a Salgema, naquela epoca falida, tinha arrumado um problema enorme pra cidade.

Mas ninguém acredita a sério que sei lá, uma barragem de minerio vai se romper, ou um barranco ou uma ponte vai despencar, ou que uma mina vai afundar. A gente sabe que pode calhar de acontecer, mas a gente descarta essas coisas.

A Salgema faliu na virada dos 1990, foi abatida por Collor, o Demolidor e sua trupe. Excelente ironia o cara ter aniquilado uma das maiores empresas do seu Estado. Nessa época a Salgema já era questionada por pesquisadores, engenheiros e moradores da área das minas. Todo mundo percebeu que o negócio estava estranho. Aliás, a Salgema precisava fazer reparos nas minas, mas acabou negligenciando isso, fechando a operação.

Mas isso foi curto. Logo, entrando o tempo do FHC e o Plano Real, a empresa trocou de mãos, e em 1995 acabou com um pessoal bem conhecido nosso.

Daí a gente começa a entender o tamanho do rolo que aconteceu ali. A Odebrecht, amiga de todos os que mandam nessa joça, conseguiu miraculosamente reativar as licenças e colocar as minas em operação. Lembremos que era aquele tempo chato da Eco-92, aquela arenga toda de preservação, e os caras pegaram um projeto desses daí, e andaram pro planejamento ambiental. Bem, davam cesta básica e reformavam escola…

E na vibe do crescimento violento dos anos 90 aumentaram a produção, expandiram as minas além do projeto original. Avançaram gradualmente para dentro da cidade de Maceió, com todo mundo deixando correr solto. Aí tem um adendo: A Salgema chegou ANTES da cidade mas a cidade cresceu onde NÃO HAVIA MINA. E a Mina avançou por debaixo da cidade nova, dos novos bairros. Em 1985 a Salgema começou a ampliação de sua estrutura. 1985, tá.

Aí temos a raiz do problema: Entre o empresário e o cidadão, existe um ente que regula estas relações. O ESTADO. E o ESTADO deixou tudo correr solto. Impostos (15% do ICMS do Estado nessa época), amigos, poder político, benesses… Frisando que 1/4 da Trikem era do governo federal, quando a Braskem – ela mesmo – a integrou no começo dos 2000. Meio como ação entre amigos, pouca fiscalização, multinhas ambientais pra bancar ONG, governo querendo promover os amigos… faz umas praças maneiras com parquinho de velho e tá resolvido.

Até a hora em que tudo afunda.

Segundo a Braskem tá tudo de boa e eles já estão resolvendo os problemas… Vai afundar pouca coisa, etc. Só que não. Pra voces terem ideia, a pior parte do problema, onde ficam essas minas mais sérias (a parte arborizada faz parte do parque quea Braskem mandou fazer ali) tem uns 2 km x 1 km, a area amarela. Tudo dos trechos ABC já foi evacuado e estão tentando arrancar o pessoal das areas E e F. A área marrom é a que já deu merda, porque já está cedendo e não tem como controlar.

Reparem que a área marrom abaixo a esquerda avança longe das minas iniciais. Quer dizer, a  perfuração foi bastante além do perimetro da mina. E olha, é impossível o antigo DNPM ou a prefeitura ou o Estado falar que não sabiam disso. A Braskem não é amadora e não iria fazer essas lambanças sem estar calçada de alguma forma… Se a produção de sal aumentou nos anos 2000 e 2010… Assim, um pedaço da cidade vai virar uma enseada artificial.

Mas peraí. Toda a questão está em uma área que seria 1/6 da cidade mesmo de Maceió. Não é que toda a capital và de ralo, não é isso. MAS um pedaço dela vai virar, se tudo der errado, um novo balneário local, e isso vai ser um problema ambiental imenso. Tem potencial pra arrasar o turismo na região toda, com a contaminação do litoral alagoano com resíduos industriais, lixo, pó em suspensão… uma merda completa.

Tipo Brumadinho, entendem? Vai ser um rolo miserável. E sem solução, pois não tem jeito de consertar a lambança feita. Agora é esperar afundar e ver até onde a terra vai se assentar. Estúpido, mas é assim mesmo quando tem gente ganhando grana com confusão. Quando desandar, vai ser uma lambança épica…

Mas é Maceió, tá tranquilo. Imagina se fosse em Santos?

Bom dia!