Anna 13 de julho de 2018 at 16:10
(Portugal é) Ruinzinho para mim, que fique claro.
Vivi por um tempo na Europa. Estudo e trabalho. Um tempo na Itália, outro na
Espanha e depois Portugal, em 2005. Conheço o resto todo também. Como não
tenho ascendência portuguesa, tive muita dificuldade com a grosseria do povo,
a maneira literal como entendem tudo, e aquelas lamúrias intermináveis.
Conheci vários portugueses que não gostavam de brasileiros, e já iam falando na cara com aquela sutileza que lhes é peculiar. Não é um país muito adiantado, achei pobre, desemprego a rodo. Pobre, não miserável.
Da parte cultural, também deixou a desejar. Não sou apreciadora da dança e música locais, nem mesmo a comida me encanta. Museus fracos, manutenção de locais históricos ruim. E aquele saudosismo deles da época das colônias e de quando eram desbravadores me fazia bufar de tédio. O senso de humor deles é bizarro. A falta de senso de humor, no caso.
Era tudo mais ou menos. A parte de saúde mais ou menos, transporte público mais ou menos. Praias frias, sem graça. No verão é apavorante, vai todo mundo para as praias e tem engarrafamentos monstro, farofeiros, tudo lotado e não muito baratinho.A Serra da Estrela achei horrível. Percorri de norte a Sul, e não foi como no resto da Europa, onde até cidadezinhas perdidas nas montanhas me encantavam. Só a parte de segurança eu valorizei. Mas vi pivetada roubando lá também, de quem dava mole em lugares mais ermos e de drogados e bêbados.
Nem renovei o contrato, 1 ano me pareceu 1 década. Não tenho química com aquele lugar, nem para turismo eu gosto. Pior ainda saber que caiu no gosto do poveco da Globo, péssimo sinal. Não me senti nada em casa, e continuo pensando que para viver mais ou menos lá e ser tratada como cidadã de segunda classe prefiro ficar por aqui. É bom talvez para ricos, mas qualquer lugar é bom para quem tem muita grana. Meus amigos lá eram franceses, ingleses e americanos. Na época só tinha brasileiro sem grana se aventurando por lá, agora está indo gente com muito dinheiro, e sei que ficam entre eles.
Acabou virando CVR!
Anna,
Trago do tópico de sexta-feira, porque acho importante uma resposta atual sobre essa impressão que você teve.
Começo com um CVR: Quando o Portuga aqui tinha exatos 4 anos de idade (em 1990), meus pais saíram do BR e vieram visitar a família em Portugal. Foram, provavelmente, os piores 30 dias da vida da minha mãe. Por “N” motivos, muitos dos quais foram mencionados por você no seu relato: Preconceito com brasileiros, país pobre e com muitos desempregados, infra-estrutura mal-conservada, parte cultural fraca e decadente, etc.
A única ligação da minhã mãe com Portugal era ser casada com meu pai (filho de Portugueses), e ela sofreu muito com toda a sutileza com que o povo a tratou. Ela jurou que não pisaria mais nessas terras.
O fato de a impressão sobre Portugal ter sido a mesma entre vocês não é por acaso, e tem um contexto histórico. Até a queda da ditadura (Salazar) em 1974, Portugal era quase uma Coréia do Norte. Um País muito fechado (sequer Coca Cola havia por aqui), com economia extremamente frágil. E o processo de abertura econômica e cultural de Portugal foi lento. MUITO lento.
No início dos anos 90, muito brasileiros vieram tentar a vida em Portugal, e encontraram um país ainda como era em 1970. Fechado, pobre. Mas ao menos havia aquilo que mais faltava no Brasil: segurança, estabilidade da moeda e algumas (poucas) oportunidades de emprego.
Do ponto de vista cultural, as pessoas confiavam umas nas outras como em uma cidade pequena em que todos se conhecem. Contratos quase não existiam – como para aluguel, por exemplo. A palavra dada, consolidada por um aperto de mãos, era suficiente para os portugueses. E foi aí que os brasileiros começaram a fazer sua “fama” em Portugal.
Combinavam o aluguel de imóveis mobiliados. Pagavam o primeiro mês e sumiam no segundo, junto com móveis e eletrodomésticos;
Alugavam apartamentos de 2 quartos, alegando que morariam ali duas pessoas. Depois de alguns meses, descobria-se que haviam 10 brasileiros amontoadas no local (com direito a sub-arrendamento). Outras vezes, o apartamento virava um prostíbulo, com mulheres brasileiras anunciando seu “trabalho”, com o endereço do apartamento, nos jornais da cidade;
Tomavam empréstimos com pessoas e bancos… e voltavam para o Brasil, deixando a dívida para trás;
Mulheres brasileiras solteiras (putas ou não) frequentemente se envolviam com homens casados, o que acabou por terminar com muitos casamentos em Portugal. Teve até um caso de uma cidade na qual as mulheres portuguesas se uniram para expulsar as prostitutas brasileiras… e isso foi já em 2003! (links a seguir)
‘https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3es_de_Bragan%C3%A7a
‘https://www.publico.pt/2003/10/14/sociedade/noticia/prostituicao-brasileira-em-braganca-faz-capa-da-time-1170625
No entanto, depois da crise de 2008, as coisas começaram a mudar muito por aqui.
A união européia investiu pesado em Portugal, com foco muito grande em infra-estrutura e revitalização de bairros degradados nas grandes cidades. O governo da época (uma espécie de PSDB) tomou medidas para aumentar a atratividade de Portugal para empresas estrangeiras – por exemplo, flexibilizou-se as leis trabalhistas para fomentar a geração de empregos.
Com uma boa infra-estrutura no país, com liberdade económica e com uma mão de obra com salários bem abaixo da média européia, empresas começaram a enxergar Portugal como um lugar para se investir. Novas fábricas e escritórios passaram a ser abertos aqui, movimento que não parou desde então.
Com o boom económico, todos os índices que compõem o IDH subiram forte. O desemprego caiu drasticamente. O salário médio da população subiu. Saúde, educação, transporte-público (nas grandes cidades) melhoraram bastante.
Após, o governo passou a fomentar o turismo. Prédios históricos e museus foram restaurados, entre outras muitas outras melhorias. E o resultado começou a aparecer nos últimos anos. O turismo em Portugal cresceu vertiginosamente, e não apenas em Lisboa.
O país é belíssimo. Há belíssimas praias (sim!), grandes e belos parques naturais, cidades e aldeias antigas (históricas) e bem preservadas (ou devidamente restauradas). A Serra da Estrela está longe de ser uns alpes suíços, mas possui lugares muito belos e algumas cidades muito interessantes ao redor. Come-se muito bem por todo o país, e bebe-se ainda melhor.
Quem tem uma visão de Portugal diferente da que mencionei no parágrafo acima, é porque não vem há muito tempo ou não visitou da forma como devia. E não sou apenas eu quem digo, mas toda a horda de turistas que me canso de ver andando por aqui. Ano após ano Portugal vem ganhando prémios como melhor destino turístico.
Quanto às pessoas e os maus-tratos a brasileiros, as coisas mudaram muito.
Moro aqui há 1 ano e meio. Passei por 3 empregos e minha esposa também está no terceiro emprego. 100% das pessoas nos trataram extremamente bem – arrisco-me a dizer que ainda melhor do que fomos tratados no Brasil. (PS: isso foi sempre em Lisboa, onde sabemos que as pessoas já estão mais acostumadas com estrangeiros).
Nos processos para aluguel de casa, tive alguns problemas “por ser brasileiro”. Ou, na verdade, por que bananenses FDP fizeram uma das coisas que mencionei acima no imóvel do proprietário com quem eu tentei contato. De qualquer forma, foram sempre educados a me dizerem: “Tu és brasileiro. Peço desculpas mas não alugo mais meu imóvel para brasileiros.” E eu seguia para outra tentativa, xingando não o proprietário, mas os malditos bananenses que fizeram tanta merda por aqui no passado.
Bananense aqui? Tem muitos. E quase sempre andam em bando e falando alto. Mas só se junta a eles quem quer… Não tenho contato com nenhum, e faço questão de não ter. Tenho amigos portugueses, engraçados e inteligentes. Conto piadas de português direto por aqui, e apesar da “fama”, eles entendem e acham graça.
Aliás, digo que 90% das piadas de português foram geradas por ironia dos portugas frente aos brasileiros, sendo que estes não perceberam que estavam a ser zoados na cara dura. Bananense vir aqui e dizer que “quer um copo de água” é o que todo português quer ouvir, para responder que “não há copos de água, mas só cópos com água”. Quando o brasileiro não percebe a ironia, acha que o português é tapado… e o português, sério, ri-se todo por dentro.
Eu sou suspeito para falar, mas adorei esse país e esse povo. Talvez eu fosse mais português do que eu imaginava, já que me adaptei tão rapidamente à cultura daqui que me assustei.
De qualquer forma, fiz a minha mãe quebrar a promessa de 28 anos atrás. Como estou morando aqui, ela acabou por vir me visitar. E ficou mesmo feliz por ter quebrado a promessa: o que ela encontrou aqui foi um lugar totalmente diferente do que ela tinha em mente. Não era mais aquele Portugal de 1991, mas muito mais desenvolvido e bem cuidado. Ela quer voltar para passar mais tempo por aqui.