Uma Relação Cabulosa

Vou tentar explicar rapidamente um ponto cego daquela conversa toda sobre quem é responsável pela brutal degradação do Hell de Janeiro nos últimos 30 anos. Só um apanhado, nada muito factual apenas para vocês localizar no tempo a evolução do problema. Repisando sempre: nada é casual, nada é de momento, nada aqui aconteceu por acidente. A degradação da Capital do RJ é fruto de um processo POLÍTCO, mais do que um problema social.

Eu havia parado a minha série sobre o Brizola neste momento exatamente porque a configuração política aqui havia mudado enormemente: Quando entramos nos 1990 havia um problema enorme. Brizola tinha proibido a polícia de intervir nas favelas e estas se transofrmaram em “fortes apaches” dos traficantes. A polícia recebia pouco investimento e treinamento e se tornou mais e mais corrupta.

O segundo mandato do Brizola foi caótico – quem está assustado com a desgraceira de ontem precisa lembrar do que foi 1992 – e o CV havia virado um grupo bastante organizado, controlando diretamente os presidios. Nessa época o Professor e o Gordo (o RL do CVRL) criaram um mecanismo de contabilidade interna e regras de auxilio e emprestimos de pessoal e armas para controlar favelas, expulsando pequenos grupos de traficantes com auxílio informal da polícia civil.

Nesa epoca mesmo a “Scuderie Le coq“, a milícia formal da PCRJ foi extinta de vez e parte do seu pessoal se bandeou para os grupos armados dos bicheiros, que cresceram em força política e economica, e parte foi buscar poder na periferia da capital – por isso a Zona Oeste é cheia de milicias. Esta espuma de gente batendo cabeça (falando de 1990-1994) vai gerar um novo problema – não existe vácuo de poder e assim os espaços abandonados pelos esquadrões da morte acabarão ocupados…

Aqueles grupos menores de traficantes ex-esquadrões da morte como o Comando Jacaré (SIC), e et ceteras, viraram um grupo mais ou menos coeso, pessoal aprendeu em Água Santa a metodologia do CV, e aí nasce o Terceiro Comando. Por muito tempo ali foi a “sede” deste grupo, aliás.

Notem que o TC age prioritariamente nas franjas da capital e na periferia, baixada. sintomaticamente nas eleições de 1994 tivemos uma eleição em que o Interior quase venceu, com o nosso conhecido Antonio Matheus tendo enorme penetração de votos na periferia da Capital, mesmo ele sendo de Campos dos Goytacazes, cidade maldita. O CV controlava áreas mais ricas, e o TC as franjas, favelas pobres. Isso fatalmente iria gerar conflitos.

Uma explicação foi especificamente a facilitação do TC e grupos de milicianos ainda ligados a bicheiros aos políticos ligados ao grupo do nosso conhecido. Vários políticos na Baixada se elegeram em 1992/1994 com este tipo de apoio, coisa que o CV nao admitia pois este ainda era fortemente ideológico em suas bases. Entrar na favela e colocar seus cartazes exigia acordos com os donos das comunidades.

Então apos 1994 o tráfico, o crime vira um fator de ação politica. Marcelo Alencar venceu no rastro do FHC, obviamente. Mas a situação politica aqui já estava deteriorada. Lembram do filme Tropa de Elite? A história original dele se passa durante o ano de 1997, especificamente na visita do Papa, S.J. Paulo II ao Rio. E em 1997 aquele já era o cenário de caos e guerra declarada. O BOPE sobe a favela, ocupa a favela, desmancha uns esquemas e gera uma entropia profunda.

O Rio estava em meio ao caos. O CV x TC brigando por poder, políticos ganhando poder se ligando ao tráfico e a grupos milicianos enquanto emulavam um discurso de “combate ao crime” ao mesmo tempo em que pagavam salários irrisórios para policiais sem treinamento e infraestrutura – e a mídia escondendo tudo para não criar pânico na hora errada. O RJ já estava perdido neste tempo.

Antonio Matheus se elege em 1998 governador, já tendo escancarado apoio do tráfico e do bicho, que na época era bastante poderoso. Anotem pra nao perder a linha do tempo: em 1992 Cesar Maia, o pai espiritual da politica moderna do Hell de Janeiro se elege e vai exatamente por a favela como parte de seu projeto politico, fazendo enormes investimentos em regiões notadamente controladas pelo CV, que permitiu graciosamente as enormes intervenções urbanas na época.

TODOS OS POLÍTICOS ligados ao Cesar Maia se deram bem. Cesar Maia virou uma lenda e ganhou definitivamente parte de público da Capital. Mas aí temos o fim dos 1990 e com esse racha politico as facções se desmembraram. Nasce o ADA, que é uma tentativa de unificar o TC e o TCP, gerando um efeito contrário (nos 2000 a coisa desanda de verdade) e as milícias começam a abandonar o jogo do bicho focando em elas mesmas vender proteção e controlar os jogos de azar.

Em outro momento a gente segue o assunto.

Bom dia!