A história da vovó na roça

Bom dia.

Esta semana eu estou professoral, dando explicação pra tudo. Deve ser culpa das festas juninas de escola, fui em algumas esta semana e eu particularmente adoro o cluma, o ambiente da escola. Ali é o meu lugar preferencial, mas como sou um cara racional, larguei isso de mão tem tempos. O hábito, porém, permanece. E vamos a uma estorinha, esclarecimento!

Todo mundo tem aquele relato familiar de pessoas, toda casa, regiões inteiras que sofreram demais com a fome no passado. Fome mesmo, nada dessas asneiras de Estagiário de jornal da atualidade. Tão recorrente quanto a mitologia universaç sobre o gesto de levar caderno no saco de arroz (era uma saca de ráfia, não o saco de 5 kg de hoje em dia, gente…) e andar 20 km até a escola, há aquele lance de sabermos que no passado geral passava uma fome básica.

E isso era NORMAL. Era comum familias na roça passarem anos vivendo de pouca coisa, de trabalhar por comida porque a roça não produzia nada. Tempo não ajudava, era inclemente, a chuva não acudia, era um verão especialmente chuvoso com os desastres que levavam gente e bichos barranco abaixo, as geadas que dizimavam os roçados e faziam o rico chorar e o pobre desesperar, era a fome imensa e constante. Era o medo da fome, era a sensação de que aquele roçado de feijão e aipim não vingando, lançaria todos na desgraça.

A vida no passado era delicada demais. Passado, estou falando uns 60 anos, uns 70 anos atrás. Não precisa voltar muito. O interior do Paraná e de SP nos anos 1950 era POBRE. Você vê miséria enorme no Norte até hoje. O Nordeste, o Sertão nordestino, sempre foram grassados pela pobreza, pela absoluta falta de alimento. Séculos. Até o começo dos anos 1970 simplesmente não tínhamos alimento para todo mundo, importávamos arroz, feijão, trigo, milho. Você passava fome morando na cidade grande, qualquer soluço internacional e no começo dos anos 1950 se faltava pão. Era um equilíbrio altamente instável. Não a toa este período, até a Ditadura, foi extremamente tenso.

Saques nas cidades e o empobrecimento acentuado da população suburbana com o aumento enorme da favelização, revoltas no campo – o nascimento dos movimentos de invasores de terras e do socialismo rural coincide com o aumento do assistencialismo da Igreja Católica no amparo aos pobres no interior, onde a fome era mais notável – eram a tônica da época. Mais do que a carestia, a inflação persistente e a perda da capacidade de gerar riqueza, o lance era a fome mesmo, a falta de alimento disponivel.

Creio que todo mundo já tenha reparado em como o pessoal era mais magrinho no passado. Mais slim, menos banhudo e com físico afilado. Culpa de dietas pobres em carboidratos e em volume abaixo do ideal. Pessoal comia menos, mesmo. Pois a comida era cara, e nem sempre disponível. Você também lidava com a baixa qualidade da alimentação e em familias numerosas, era quase mandatório ser econômico ao extremo. Cautelas pra tudo valiam, a comida faltava mesmo, e isso era rude, sofrido. Gente desnutrida comendo todos os dias.

A gente entrou os anos 1960 e nessa época a fome virou mote político de verdade. Até então a fome era um fato, um evento da natureza. Eventualidade. A gente sabe que em um momento lá atrás duas linhas convergiram: De um lado, o pobre urbano que mesmo trabalhando, nao tinha comida e dinheiro pra se alimentar direito, e de outro lado, o pessoal no campo que não tinha terra ou trabalho ou não consegua produzir seu alimento. As duas pontas foram costuradas com a tese de que a fome é culpa… do Capitalismo. Josué de Castro.

Antes a gente já tinha lido sobre isso. Rachel de Queiroz, Graciliano, Monteiro Lobato, Érico Veríssimo… vários escritores já nos tinham falado da fome, da pobreza, da morte na miséria. Mas o Josué de Castro criou o elo entre essa situação aí com a poítica altamente polarizada da época. Geografia da Fome, é a tese dele. Note que ele só se tornou relevante exatamente no começo dos anos 1960, quando sim, sua tese de que a fome é resultado de fatores não-naturais, mais humanos do que ambientais foi abraçada com força pelos socialistas. Friso: Ele não está de todo errado, ele apenas escolhe um culpado partindo do princípio de que nada vai mudar sem uma mudança estrutural.

Dali, do começo dos anos 1960, quando o Julião invadia terra na Bahia em nome do socialismo e da Teologia da Libertação, e o pessoal vinha desesperado pro Sul fugindo da fome exasperante, absurda e se empilhava nos barrancos fazendo casebres de taipa, até hoje são cerca de sessenta anos. Vimos o Brasil enfiar a cara nesse discurso até o talo. A gente mandava cesta básica da COBAL pro Ceará, ria sabendo que era sério das piadas do Didi nos Trapalhões, ficava com sentimento de culpa quando via aquelas matérias de jornal com crianças remelentas passando aquela fome desgracenta (depois a gente soube que o fotógrafo ficou rico, mas faz parte)…

Faziamos grana pra doar, teve até o nosso We Are the World (sim, o mundo estava na mesma vibe já fazia tempos mas nem vou passar perto deste assunto), a gente estava até meio acostumado com esse lance de fome. Só que isso lentamente foi deixando de ser fato. Desde o começo dos anos 1950 já buscávamos melhorar nossa produção agricola e pecuária. Não era só melhorar a produção, era fazer mais para evitar a fome, mesmo. A gente não iria a lugar algum sem comida. Entramos nos anos 1970 com essa situação bizarra: não se plantava trigo direito no Paraná, não pegava. Milho, se acreditava na sua ineficácia em climas mais úmidos. Soja, a gente mal plantava.

País trabalhou muito. Podem falar a merda que quiserem, mesmo. Podem falar o diabo. governos militares deram o tranco essencial: Liberar os gaúchos pra buscar terras no Centro-oeste e descobrir que lá a produtividade era mais do que boa, buscar tecnologia em um momento onde o mundo inteiro a estava buscando via inovação em bioquímica avançada, por MUITA GRANA da sociedade em projetos que fizeram nossa fronteira agrícola expandir de forma brutal, claro que a um custo ambiental expressivo, mudando completamente nosso perfil.

Quem pega esse gráfico e diz que estou exagerando é maluco. Multiplicamos por cinco a produção de alimentos. Nossa população dobrou, e a qualidade do que ela come aumentou muito. Tecnologia bruta, avançada fez isso. Fertilizantes e defensivos, tecnologia de plantio e logística, indústrias inteiras focadas na exploração do que a gente viria a chamar – e ver sua demonização depois – de “Agronegócio”. Deixamos de ser importador para virar uma potência exportadora de alimentos em trinta anos. Isso é algo que não se verá em nenhum lugar do planeta.

O que eu quero dizer com isso tudo? Que não, não faltam alimentos e não, não há fome, a FOME no seu sentido absoluto no país. Há pessoas com fome, há pessoas que passam fome. Mas temos hoje milhões de toneladas de alimentos produzidos diariamente. Há alimento, muito. E hoje a sociedade tem mais e melhores meios de gerar riqueza e buscar alimento. A fome do Sebastião Salgado e do Josué de Souza é periférica, pontual. Tem muito mais a ver com as pessoas e suas escolhas do que com um capitalismo malvado e que quer explorar todo mundo.

Na Venezuela as pessoas passam fome. O Socialismo tirou das pessoas o direito de escolher o que comer.

No Sri lanka as pessoas estão desesperadas pela dificuldade absurda em poder conseguir alimento. O progressismo destruiu um país pobre ao demonizar o agronegócio.

Fica a dica.