A Ponte

Bom dia!

Não acham ser uma sensação esquisita você perceber que não conseguimos hoje repetir os feitos do passado simplesmente por conta de nossa geração e as mais novas não terem CAPACIDADE para os realizar ou superar? Eu acho. É uma sensação pavorosa a de ver que os marcos do nosso passado recente acabarão em algumas décadas como as pirâmides no Egito: Você vê a obra, mas não entende como ela ainda está lá.

Hoje os cariocas dão graças a Deus e o povo melequento e maconhista do DCE da Uff está chorando na internet. A Ponte fez 50 anos. Matéria no jornal e tudo, uma coisa até chocha pra quem é de cá, e que não faz sentido algum para quem está de fora. Um paulista mediano não faz a menor ideia do que siginifica a Ponte para o pessoal do Rio e do “Estado do Rio”.

Eu lembro de uma vez estar conversando com um casal de conhecidos, e eles depois de contar sobre a sua maravilhosa viagem a cuba com todas as misérias lindas possíveis, falar de como a Ponte é ruim. O pessoal usando a Ponte todo dia, e reclamando. Porque foi roubada. Porque morreram centenas de pessoas lá dentro. Porque desviaram dinheiro pro Pinochet. Porque podia ser um túnel mais moderno. Porque piriri pororo… basicamente odiavam a Ponte porque a Ponte era “da ditadura”.

E a coisa é neste naipe, lembro de ler sempre nos livros de escola aqueles comentários secos, sem nenhuma relevância. Covardia, mas eu explico rapidamente, é uma história rápida.

Até 1960 o Rio era a Capital Federal, e aqui era o fervo do país todo. Mas o Rio sempre foi bem ligado com São Paulo e Minas, por trem e rodovias. Mas o interior do Estado nunca teve este privilégio. A capital do Estado do Rio era Niterói, por isso suas características peculiares até hoje. Mas desde o Império havia essa fissura em fazer a tal da Ponte. O projeto aí, o Imperador aprovou e tudo, mas a grana não veio. Por motivos óbvios…

Mesmo assim a coisa seguia apertada, pessoal tinha de usar ferries e barcas pra travessia, que é curta, mas gerava transtornos imensos. Volta e meia as barcas da Cantareira se acidentavam, afundavam, quebravam… era uma travessia tensa.

Isso é no começo dos anos 1940. Dava muito rolo. Pessoal queria um jeito de atravessar, seja por túnel, seja por ponte. Curiosamente por muito tempo o pessoal – autoridades do Distrito Federal como o Dodsworth, prefeito eterno da cidade, preferiam um túnel, mas os projetos de ponte acabaram se sobressaindo como mais viáveis tecnicamente.

Bagulho é doido e em 1952 bateram o martelo: Vai ser TÚNEL. Projeto francês, bem ajeitado e até bastante interessante, uns 7 km de travessia, mas olhando a imagem do croqui vocês verão que alguma coisa não iria dar certo nele.

Estavam prevendo um aterro enorme em Niterói, e isso efetivamente ocorreu, mas na época não se tinha a tecnologia – mais tarde, uma década depois, o Aterro (aquela covinha embaixo do Aeroporto é o começo dele) seria feito com tecnicas inéditas, mas com outro propósito. Na época, não dava. E também não tinha grana. Começo dos 1950, Vargas não estava indo bem…

E nesse contexto vem tudo: Vargas morre, o país entra em caos, crise política, depois o RJ se enfia nas obras intermináveis do projeto do IV Centenário (ninguém mais lembra disso), e vem JK querendo tirar TUDO pra Nova Capital, e todo o esforço e recursos do Estado acabam se voltando para este projeto alucinado de fazer a Cidade Nova em Goiás. Acabou o sonho. Mas, em 1959 surgiu a maior prova da necessidade de se acabar com o – na época – monopólio da Cantareira, a empresa das barcas.

Povo revoltado com um monte de coisas, desde o preço da tarifa, os acidentes e quebras, o péssimo estado do material, o mundo, a carestia… destróem a estação de Niterói e tocam fogo em tudo, paralisando a travessia por quase duas semanas. Ali o pessoal entendeu que nao tinha como evitar a construção de “alguma coisa”.

Mas só em 1965 a coisa vai pra frente. E foram feitas licitações anteriores mas a bendita da SURSAN e os capiaus que se meteram no projeto do “túnel” conseguram uma única empresa na licitação, argentina e sem expertise. A comissão que cuidou da infraestrutura do IV Centenário atuou no sentido de arrumar essa bosta e refazer a licitação, mudando completamente o projeto. Agora ia ser PONTE.

Porque PONTE? porque o Brasil estava construindo Brasília e ali começamos a dominar a tecnologia de concreto armado em grande volume. Construimos pouco antes a primeira usina de Paulo Afonso, em Minas. E os militares chegaram e com eles haviam planos. Dentre eles, o de fazer obras de vulto em infraestrutura, mas nos faltava exatamente a expertise naquilo que mais precisávamos, tecnologia de construção civil.

A decisão da Ponte levou isso em conta, e o projeto foi abraçado pelo governo como essencial. Mas aqui, sabem como é, é essencial até a página 2. No entanto a mudança de cenário e a ideia do “grande projeto de desenvolvimento” fizeram o goberno militar olhar este projeto, e o da tal “usina das sete quedas” com um cuidado especial. A tecnologia da primeira seria usada integralmente na segunda.

Por isso a Ponte foi a escolha. Necessidade de absorver tecnologia sensível. Fizemos a licitação em 1966 e em 68 o projeto começa. Enquanto isso, o pessoal indo e vindo de balsa, da Cantareira e da Valda, feito essa aqui.

Começa o projeto, o Andreazza (sim, o avô daquele inútil) vem inaugurar a obra com a Rainha Elizabeth, já que compramos parte do projeto de uma empresa inglesa. 

CLARO, deu problema. Entre 1968 e 1971 a obra não andava, era um problema atrás do outro, as empresas que venceram a licitação não conseguiam fazer o projeto evoluir, o maquinário era inadequado, haviam problemas nas desapropriações e no finzinho do ano tricampeão, a gente nao tinha nem 15% do projeto andado. Um inferno.

Mas aí o presidente era o Médici, o Brasil uma potência tricampeã mundial, PIB feito o cristo do Economist, a grana jorrava e o governo meteu a mão e mandou recomeçar tudo. Empresa estatal criada e com poderes plenos, chamando empresas – neste momento as amigas do Rei nascem na forma como são atualmente, os grandes grupos de engenharia civil que dominam o país, tomemos nota – e universidades, para testar tecnologia e tentar acelerar os processos construtivos.

Em 1972 já tinha ponte no mar e a um ritmo impossível. A obra se beneficou de haver milhares de trabalhadores com a experiência de Brasília, e com dinheiro e disposição a coisa deslanchou. Essa foto aí debaixo é a do Vão Central, veio da Escócia nessa balsa. É aço especial, daqueles da Perimetral – que valeria uma história parecida…

Entre 1972 e 1974 a obra toda foi montada, é meio louco ver que a nossa engenharia conseguiu uma façanha dessas. O grosso da obra foi feito em 32 meses. É muita obra, muita coisa inédita junta, muitos problemas também. Fala-se de centenas de mortos, que o pessoal era enterrado nas colunas de concreto pra não atrasar a obra, que tem até espíritos na Ponte.

Fato é que cerca de 60 pessoas morreram nas obras. Era um negócio perigoso e sem proteção alguma, claro.

Mas a Ponte foi concluída num prazo absurdo, havia um desespero para a conclusão ser ainda dentro do mandato de Médici. Andreazza, ministro dos transportes, morou na vila da fábrica de peças da Ponte até o fim da obra.

Torramos MUITA GRANA, hoje seria algo como 12 bilhões de dolares, corrigidos, incluindo todos os custos conexos, investimentos em tecnologia, insumos, etc… É muita grana. Isso seriam 4x o orçamento inicial. Daí o argumento de fraude na construção. Realmente deitaram muita grana fora, creio eu.

E, no comecinho de março de 1974, Médici dá aquela passeada de Rolls Royce pela Ponte zerada. O resto virou lenda.

Bom dia!