Guerras da Vachina

Bom dia!

Contar uma história.

Ultimamente só falamos em vacina, vachina, coronavac, e STF. O assunto, como já esclareci várias vezes aqui, é o escolhido semanalmente pelo pessoal da mídia. Os caras escolhem o tópico, plantam o argumento que eles querem ver repercutindo, e o pessoal embarca com vontade no “assunto natural”. Mas este não é o ponto.

Vendo jornais esta semana pensei que realmente Paulo Freire conseguiu realizar magistralmente seu sonho mais perverso, o de universalizar a “deseducação formal”, fazer o jovem e o adulto simplesmente não desejarem entender nada daquilo que é comum e necessário. Pessoas comuns vivem de sentimentos, de achismos, de julgamentos altamente desconectados da realidade. Tipo Idade Média mas com energia elétrica. Endeusamos seres com problemas nas orelhas e tacamos fogo em quem cura a canela quebrada do menino.

O assunto da semana – das últimas semanas – é sobre como o brasileiro médio é subserviente ao estado e, ao mesmo tempo, é totalmente ignorante em relação ao funcionamento das coisas da sua própria sociedade. Falamos diariamente da tal vacina chinesa. E vejo todo tipo de almas sebosas – que darão um bom combustível para acender as fornalhas do Inferno e assim, manter os comunistas em um lugar bem quentinho – alegando que o estado TEM de nos obrigar a vacinar a vacina que a ANVISA liberar. E punir, vedar, restringir, coagir, até prender e bater, se der um espacinho. Muita gente falando isso. E se achando paladino da virtude.

O cara que ficou em casa quer apenas UM motivo para poder voltar à sua cachaça e saidinhas matinais mantendo sua superioridade moral contra o populacho. A vacina é exatamente este mote. O professor de uma UFRJ só voltará a trabalhar QUANDO houver vacina disponível. Ele nem liga para imaginar quantos anos isso pode demorar. Muita gente que está em casa e se beneficia disto (rome ófce realmente tem sua validade, claro) vai usar qualquer argumento para se manter nesta situação. E a vacina sem fim é o melhor deles. Depende do Estado, depende de TEMPO, depende de aceitação social. Enfim, dez anos passam rápido.

Então nasceu o Sebastianismo Biológico. Todo mudo espera uma vacina que PODE OU NÃO existir, e enquanto isso não acontece, vamos de proibição e guerra política, não é? Estes mesmos sebosos acusam quem é desconfiado e quem realmente é contra o uso de vacinas não-testadas em escala adequada de “anti-vacina”. SIM, sei que em nossa sociedade há um nicho de pessoas com este desvio moral aí. Sou a favor da liberdade mas sou a favor da verdade. E a verdade é que justamente por eu acreditar na eficácia das vacinas, sou contra tomar ESTA VACINA CHINESA. E qualquer outra que não cumpra os requisitos mínimos para uso.

Estes “sebastianistas” creem que apenas a Vacina os Libertará. Chega a Picada Santa, e tudo o mais não importa, todo o mundo se libertará do jugo terrível da doença maligna e as coisas naturalmente alcançarão o tão sonhado “novo normal”. Uma epifania sanitária. E, pasmem, NÓS, os que estamos preocupados com a retidão do que é feito, somos chamados de quê? Ignorantes. Assassinos. XENÓFOBOS – caramba, até xenofobia arrumaram pra falar mal de quem critica o debate sobre o cacete da vacina – e obscurantistas, atrasados. “Há cem anos se toma vacina e agora o cara lá…”. Affe.

Duas notas.

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A varíola era até o começo do século XX uma doença perigosíssima para crianças e adolescentes. Em determinadas épocas chegava a matar 10% da população de cidades europeias. Jenner, um boticão inglês descobriu que a varíola era uma doença controlável. Percebeu após muito tempo – creia-se anos – que havia um fenômeno: Em familias numerosas os casos de varíola lentamente iam desaparecendo após uma, duas mortes. Ele julgou ser algum tipo de “resistência” do organismo. Estamos falando de meados do século XVIII, e recentemente a Ciência havia começado a entender a microbiologia. Jenner assumiu que 1) a varíola era um organismo e 2) nosso corpo aprendia a lidar com ele, com a imunidade “de rebanho” – o termo vem deste caso.

Jenner vai testar em vacas os mecanismos de contaminação e descobre que era possível contaminar um animal de forma a ele manifestar a doença sem no entanto evoluir negativamente. tomando pus das feridas de uma vaca contaminada, preparava um soro aquecido, que – hoje sabemos bem – era uma mistura de anticorpos e vírus mortos, “inativados a quente”. Usando em bezerros, os tornava imunes. ele havia percebido a mesma mecânica no pessoal que lidava com o gado; em tese, eram mais resistentes à doença, supostamente pelo contato constante com a varíola bovina. Jenner descobria o princípio da vacina, como conhecemos hoje.

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No começo do século XX o Hell de Janeiro já era o Hell de Janeiro. Cidade superpovoada, apinhada de gente enfiada em cortiços, amafuada nos becos e saias de morros da cidade, sem nada parecido com saneamento básico, e embebida num calor imenso, exasperante. E tem um porto, e com ele, doenças vindas de todo o mundo. A Gripe Espanhola chegará uns anos depois, claro. Mas quando Rodrigues Alves vira presidente, ele resolve dar um tapa na cidade, e fazer uma enorme reforma sanitária, que ainda hoje é extremamente relevante. E neste contexto, vai buscar Osvaldo Cruz, para ajudar a montar um gabinete de saúde que desse combate às zicas que nos atomentavam: dengue, tifo, cólera, e varíola, claro.

Osvaldo Cruz era um técnico excelente. Cientista mesmo, pragmático. Percebendo que estatisticamente a variola era menos disseminada mas matava e aleijava mais gente, optou por dar combate a esta doença em primeiro lugar. Buscou a técnica inglesa de produção da vacina por inoculação em vacas (por isso a FIOCRUZ aqui tem um terrenão, aliás) e após testes locais, declarou que a população da cidade seria vacinada. À força, se necessário.

Mas política é uma merda e os rivais de Rodrigues Alves – eram muitos, como nós veríamos na década de 1920 – se puseram a desinformar a população, em jornais e panfletos, alegando que a vacina era perigosa (era mesmo), que as mulheres tinham de se despir para os vacinadores as inocular (era assim, um garfinho, fazia quatro riscos na pele, e quando o sangue aflorasse, se punham duas gotas da vacina, depois tapava-se com um lenço e aquela merda iria inflamar por duas semanas. Não morreu? tá imune), e que quem não fosse vacinado não poderia ter alvará nem poder alugar casa na cidade, por exemplo.

Quando percebeu que haveria resistência do povo a isso, pediu e obtede de Alves autorização para a vacinação forçada da população. O docuemnto com as proibições apareceu “acidentalmente” num jornal no começo do ano, e desde então haviam debates e brigas por conta dos que eram a favor e contra a vacina.

Povo em geral não aceitava ser submetido à força, e essa é a causa principal da revolt – nada a ver com o povo mais pobre ser ignorante, ou contra vacinas, etc. Socialistas tendem a puxar a sardinha alegando que é a insatisfação dos pobres favelados contra a opressão do burguês das elites agrárias etc. Bobagem. O lance foi basicamente parte da população se recusando a atender uma obrigação do governo, depois de ver a CAGADA que os anarquistas e florianistas tentaram fazer, ameaçando um golpe contra o governo de Alves. A Wikipedia sobre o tema é ridícula, aliás. O DCE mandou o folder pros meninos copiar.

Após essa lambança, no começo de novembro, população que já vinha estressada com remoções, com a atividade dos “mata-mosquitos” e com os despejos sistemáticos, percebeu que a desordem chegou e foi pra rua quebrar tudo, claro. Virar bondes era uma atividade social bastante apreciada pela população da cidade na época, era quase como remo e cricket, e football. Povo se insurge, começa guerra campal, tiroteios e depois de o governo recuar na obrigação, sem antes dar umas ameaçadas de bombardeio contra a cidade, a coisa amainou, povo voltou para as suas casas, o governo fechou a Escola do Exército da Praia Vermelha, de onde veio a maior parte dos lambões da cagada da semana, prendeu pra mais de mil do poulacho,e mandou metade desse povo pro ACRE.

E é só.

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Bom dia, bebam água, e agradeçam ao seu bife por tudo o que seus antepassdos fizeram, ok?