O INAMPS e Você

Bom dia.

Esta semana rolou toda uma conversa sobre o SUS e sobre quem mpode ou não o usar. Etceteras e tal, a discussão era sobre o Olavo ter vindo à BNN para se tratar em SP, no HC-FMUSP. E vimos como a humanidade tá péssima em matéria de um monte de coisas. Gente de todo o arco político bananense dedicou alguns minutos do dia à humilhação pública do Velho, em seu retorno ao país. Por um dia tive o desprazer de ler liberteens de iPhone, brizolistas, DEUS VULT, articulistas de tuiter e comunistas xexelentos de boteco, irmanados em uma só corrente pela execração pública de um adversário comum. Poderia ser lindo, faltou só o FHC.

Pois bem.

Pessoalmente não posso me considerar um “olavista”. Muito menos que isso. Tenho ele como um dos caras grandes do processo conservador atual. Posso não gostar disso e daquilo dele, mas no geral, creio ser ele um ds caras mais importantes ainda vivos no país. OK, vai vir aquela galera com prints de tuiter, com a arenga de sempre que o velho é isso, o velho é aquilo… esquecendo que a realidade é bem simplória: Só os mortos são perfeitos. Enquanto você está vivo, todos gastarão energia em lhe atirar na cara os defeitos, até por conforto espiritual, mesmo. A sensação de estar errado em alguma coisa nos deixa tensos e o Olavo cansou de encher o saco das pessoas com suas asseverações pesadas. Tem gente sensível no mundo, claro.

E eu fui prestar atenção mesmo no que o Olavo escreve por um caso interessante. Época das eleições de 2014, no meio daquela fúria conflituosa e desesperada, eu estava enchendo o saco de uma ex-amiga da faculdade, que virou gerente de estatal, em BSB, claro, e que defende ardorosamente o PT et caterva. Em dado momento de um desses debates, ela me taca assim: “Agora que tu vem falando de Olavo de Carvalho, parece que ficou mas esperto, né?”. E eu “UE?” nem tinha lido la muito o cara, povo do velho BIB edebatia sobre o cara e eu nem me ligava. A acusação da colega me deu o estalo: Se ela TEME o assunto do cara – pra tentar o desqualificar sem que eu tivesse o mencionado -, algo de bom deve ter. Aí comecei a levar a sério o que o Velho escreve. Casualidade: JAMAIS dê argumentos novos a seu adversário no meio de uma discussão.

E hoje temos o Velho aqui na BNN, sendo humilhado por gente pernóstica e moralmente duvidosa, por algo completamente desnecessário. Primeiro, porque o Olavo paga impostos no país, logo é elegível ao atendimento do SUS, que NÃO É GRATUITO. Segundo, porque como não-residente, o Olavo não poderia ter acesso a certas vantagens que os planos de saúde dos EUA oferecem, logo seu tratamento lá é muito caro, comparado ao tratamento privado aqui na BNN. Terceiro, porque estamos vendo gente perseguindo uma pessoa por escolher a opção mais racional no momento, que é a de ficar onde há mais apoiadores dele e de seu discurso.

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Obviamente eu estou já enjoado e com vontade de dar umas porradas na tela do PC depois de ler tanta bosta na internet a respeito disso daí. Mas vamos ao caso em si: Se você paga impostos no país, tem direito de forma direta ou indireta a se utilizar da brutal estrutura do SUS. Constituição Cidadã mandou que o acesso fosse universal, então todos têm de contribuir, mais do que usar. Pois a mesma estrutura legal manda a todos pagar pelo serviço, mesmo que não o use, mesmo que pague outro serviço em paralelo, mesmo que resolva se tratar com garrafadas e oração. Enfim, você paga eternamente por algo que talvez nunca venha a usar.

Obviamente você e eu sabemos COMO O SUS É INEFICAZ. Uma das experiências mais desagradáveis e desoladoras da vida de uma pessoa é ter um parente próximo aguardando atendimento em um pronto-socorro de prefeitura na periferia. Não é que o cara não vá ser atendido, antes é a péssima infraestrutura existente, a absurdamente irregular qualidade do serviço e do pessoal, a morosidade extrema para qualquer coisa possível. O SUS funciona, mas funciona “no seu tempo”, que nem sempre é o tempo da nossa necessidade.

E já temos umas três gerações vivendo sob esse guarda-chuva estatal. Assim a memória fica distorcida, e há aquela sensação de eternidade que é típica do que é velho demais. Pois bem. Esse negócio de “saúde grátis” é novo. Tem o tempo do SUS, vai fazer trinta anos ano que vem. Antes deste tempo, éramos um país como a Índia, onde as pessoas se curavam com chás e fumos santos, e seus corpos apodrecidos pelas chagas de doenças da água e dos animais eram atirados nos rios após tentarem desesperadamente tratamente em alguma casa de caridade cristã totalmente subdimensionada e sem mais do que éter e ataduras…

Não, claro.

Dos anos 1940 até os anos 1970 a saúde na BNN era um troço autárquico, uma estrutura totalmente presa ao sistema estatista sindical varguista. Cada sindicato estatal, “instituto”, tinha sua própria estrutura de pecúlio, saúde e auxílios. Se você fosse filiado ao Sindicato, teria acesso a estes benefícios, parcialmente subsidiados pelo Estado. Uma carteirinha do IAPI salvava a vida da criança no hospital particular. Quem não trabalhava de carteira assinada dependia das Santas Casas e outras instituições de caridade. Até hoje no interior do país a maior parte da estrutura de saúde está ligada às Santas Casas.

Vejamos que em meados dos anos 1960 o governo militar – sim, eles mesmos – decide unificar toda a estrutura de saúde autárquica, extinguindo os supersindicatos de classe e absorvendo suas estruturas de saúde e pensão, criando o INPS – sim, o embrião da previdência social atual – e agregando nele toda a estrutura anterior. Continuou sendo segregador, quem trabalha poderia ser atendido levando apenas um contra-cheque ou a carteira assinada, ou com a carteirinha, claro. No finzinho da década Geisel vai avançar com o negócio, incluindo a “Assistência (social)” no INPS, o transformando no INAMPS. Esse a galera daqui já conhece, e é a base do SUS atual.

Porque estas mudanças foram acontecendo? Primeiro, pelo aumento da população que exigia mais infraestrutura de saúde do que a capacidade dos entes isoladamente poderia proporcionar. Segundo, pela crescente complexidade dos tratamentos de saúde após os anos 1960: Certos equipamentos eram tão caros que os fabricantes só vendiam com garantias governamentais. E em terceiro a percepção de que a prevenção e profilaxia fertados diretamente à população acabavam sendo um investimento do Estado, ao reduzir os custos de tratamento de doenças agravadas por mau atendimento inicial. É por isso, por exemplo, que o Estado fornece vacinas “gratuitamente”, por exemplo.

Só que nos anos 1980 a coisa desandou pela impossibilidade de se bancar uma estrutura cada vez maior, e mais complexa. A solução? MAIS IMPOSTOS e a UNIVERSALIZAÇÃO dos contribuintes! O SUS é exatamente isto: todos pagam, quem tem mais paga com mais e não usa pois pagará por fora. Quem tem menos paga menos e recebe pouco pois o grosso da grana não vai para a ponta do tratamento, financiando modalidades de alta complexidade e custo. Era pra ser “público, gratuito e de qualidade” mas acabou sendo “meio privado, caro e duvidoso”. Copiando o sistema do NHS inglês (igualmente caro), viramos esse treco complexo da atualidade

No final das contas um sistema ruim e parcialmente justo virou um sistema ruim e injusto universalmente. Bom era o tempo do INAMPS, onde “quem paga, usa”, sem lorota e textão de internet, infelizmente.

Bom dia!