Desmistificando a volatilidade da renda variável – PP

Introdução

Eis a questão que gera debates infindáveis. De um lado somos o país dos juros altos, do estado-babá que adora cuidar dos rentistas através de déficits orçamentários, e do capiau que parcela um Fiat uno em mais vezes do que você transou esse ano de 72 vezes, de maneira a pagar 6 dígitos no enlatado de plástico, para a alegria dos banqueiros. Do outro, sabemos que é apenas na renda variável que, ao menos teoricamente, estão os maiores retornos e a “verdadeira” atividade econômica de um país. E você, que é muquirana, quer saber quem é desses aí que vai cuidar do seu rico dinheirinho até a sua velhice chegar.

Então o investidor tem um dilema que parece simples: Optar pela renda fixa, visando um rendimento seguro, com um resultado suficientemente previsível, ou partir para a renda variável, e tentar um rendimento maior, sabendo que eventualmente existirão períodos onde seu retorno será negativo.

Renda Variável x Renda Fixa

Na teoria, as empresas e demais empreendimentos produtivos têm seus resultados operacionais refletidos direta ou indiretamente na renda variável. Há portanto um evidente risco de mercado envolvido, onde tanto as vontades dos consumidores quanto a capacidade dos empreendedores de atendê-las ao longo do tempo são variáveis completamente desconhecidas a priori para um investidor, cabendo à ele apenas especular sobre essas informações. No entanto, há a expectativa de que um número suficiente de empreendimentos terá sucesso e conseguirá manter o mercado operando. Porém o caminho para os retornos é tortuoso, cheio de incertezas, e isso se reflete numa constante e infindável oscilação de preços, que no fundo estão apenas refletindo as medidas das expectativas dos investidores em relação ao mercado. Daí o termo renda variável.

Por outro lado, a renda fixa é utilizada como meio de antecipação de renda, seja para investimento, seja para consumo, tanto dos agentes de mercado (empresas e consumidores) quanto do governo, além de ser instrumento de funcionamento do mercado financeiro, através por exemplo de CDB’s e operações overnight. Por se tratarem basicamente de empréstimos com condições de pagamento pré-definidos, é possível prever com suficiente segurança qual será o seu retorno, e na maioria esmagadora das vezes essas operações são realizadas com algum tipo de garantia envolvida, temos que o risco financeiro é muito menor nesse caso. Daí o termo renda fixa.

Naturalmente, o risco de perda afugenta a maior parte dos investidores mais conservadores da renda variável, fazendo com que as aplicações em renda fixa sejam muito mais populares. No entanto, essas incertezas que naturalmente envolvem a renda variável acabam por aumentar os retornos do investidor disciplinado e paciente, sem que haja uma perda significativa na segurança dos seus investimentos, conforme iremos pontuar a seguir.

Estudo de caso

Vamos apresentar um exemplo simples: Observe o gráfico a seguir, comparando a cotação de dois ativos hipotéticos, um de renda fixa e outro de renda variável.

Ele foi construído propositalmente para oscilar de maneira constante e terminar empatado após um período de 360 meses (30 anos), que é o período típico de pagamento de um punhado de tijolos mágicos construção de uma boa carteira de aposentadoria, com o único propósito de isolar o efeito das oscilações (é o tal do Ceteris Paribus que os economistas tanto adoram). Observe que enquanto a renda fixa teve um crescimento constante, como era de se esperar, a renda variável teve um crescimento, adivinhe: Variável. Ainda assim, ambos terminaram com cotações iguais, ou seja, empatou.

Você rapidamente concluiu, corretamente, que um investimento único em RV no início do período foi absolutamente indiferente às flutuações no decorrer do tempo, e teria dado no mesmo aplicar em RF. No fim você terminou com o mesmo tanto de dinheiro, mas passou por fortes emoções no caminho.

Mas na prática não é bem assim. Sua carteira de aposentadoria não é feita com uma bolada logo no início, até porquê no início você é um cabaço que só gasta dinheiro com mulheres e cachaça recém formado que ganha pouco e não tem nenhum tio-avô distante que lhe deixou uma gorda herança. Então o negócio é apertar os cintos e fazer aportes mensais daqui até a sua filha engravidar aposentadoria, que é quando você irá usufruir dos recursos poupados.

E é justamente essa regularidade dos aportes mensais que vai fazer com que o retorno da renda variável seja superior ao da renda fixa.

Vamos comparar como se comportam esses 2 ativos: Em um cenário aplicamos R$500,00 por mês na “renda fixa”, e no outro aplicamos o mesmo valor em “renda variável”. Eis o seu saldo ao longo do tempo:

Sim, seu saldo em RV oscila, conforme o esperado, porém, observe: Ele cresce, na média, mais do que a renda fixa, e por isso ao final do período terminou maior do que o saldo em RF. Além disso, os períodos de alta são mais distantes do saldo da renda fixa do que os períodos de baixa, e de maneira geral os períodos de alta são mais duradouros que os de baixa. E o mais interessante: Após um bom tempo, os ciclos de mínima da renda variável ainda estão acima da renda fixa.

Ué, mas não era um “empate”? Como é possível que, nas mesmas condições, duas aplicações que tem, em média, o mesmo rendimento, aquela que oscila ter tido um desempenho melhor? Mas que bruxaria é essa?

A volatilidade

A bruxaria, caros muquiranas, é causada por aquela entidade que põe medo em qualquer rentista conservador nos investimentos, mas que deve ser tratada com todo o carinho do mundo: A volatilidade.

Sucintamente explicando (BEM sucintamente), a volatilidade é uma medida de dispersão de dados, utilizada para medir a distância entre os valores mais extremos e a média da série. Quanto maior a volatilidade, são esperados maiores dispersões de valores, e quanto menor a volatilidade, espera-se uma série de dados mais “bem comportada”.

Mas o que isso tem a ver com o resultado final ter sido melhor no ativo mais volátil?

A mágica é bem simples. Por haver dispersão de preços em torno da média, então existem períodos de alta e períodos de baixa. Nos períodos de baixa, você consegue comprar mais cotas, e nos de alta, obviamente, menos. No entanto, os seus ganhos nas compras nas baixas superam suas “perdas” nas compras nas altas.

Por exemplo: suponha que, num dado mês, a cotação do ativo que varia esteja 50% a menos do valor do outro. Então, naquele momento, você consegue comprar o dobro de posições do que conseguiria se estivesse com o mesmo preço. Por outro lado, se no mês seguinte a cotação estiver 50% a mais, você compraria apenas dois terços (faça as contas). Ou seja, nesses dois casos extremos, você teria conseguido comprar 2,66 cotas do ativo que varia, ao passo que teria conseguido comprar apenas 2 cotas do que não varia. Um ganho de 33% ao final desse ciclo.

Em outras palavras: Os ganhos dos períodos de baixa superam as perdas dos períodos de alta. Para ilustrar esse fenômeno, observe a relação Saldo RV / Saldo RF do exemplo anterior ao longo do tempo:

Note que os períodos de mínima são cada vez menos críticos com o passar do tempo (observe a área acima e abaixo do eixo principal), ao passo que a média da diferença (a linha tracejada) continua a subir, quase que linearmente no tempo. Após cerca de vinte anos, esse valor sequer fica abaixo de zero, em outras palavras: Mesmo nos ciclos de mínima, seu resultado em renda variável ainda está acima do que estaria somente em renda fixa.

Simples, não? Como todos sabem, comprar na baixa é um bom negócio, e ao longo do tempo você irá se deparar com diversos períodos de baixa num ativo de renda variável. Se você for disciplinado para fazer aportes, você irá certamente conseguir capturar vários períodos de caos pessimismo temporário do mercado e convertê-los em lucros excelentes para desfrutar na aposentadoria. E se, além de disciplinado, você souber identificar os períodos ideais para se aportar em renda fixa ou em renda variável, então é garantido que você conseguirá acumular muito patrimônio ao longo do tempo.

Atente-se ao foco desta análise: Dado dois ativos que tiveram o mesmo desempenho num dado período, aquele que mais oscilou trouxe retornos maiores para quem fez aportes periódicos. Essa é a real vantagem da renda variável sobre a renda fixa, tudo o mais constante.

Teoria

Agora, no nosso exemplo hipotético, fomos bastante conservadores: Assumimos que no longo prazo a renda variável empata com a renda fixa. Na prática, não é assim, nem pode ser assim. O retorno na renda variável deve ser necessariamente maior que a renda fixa dado um intervalo de tempo longo o suficiente, independente desse efeito apresentado. Isso deve ocorrer pois o financiamento do capital das empresas é feito basicamente através do endividamento em renda fixa, e portanto as empresas devem buscar obter um resultado maior do que o que elas pagam pelo capital, caso contrário estariam falindo. Em outras palavras, o retorno das empresas, que é refletido direta ou indiretamente na renda variável, deve superar o custo de capital delas, que é refletido direta ou indiretamente na renda fixa.

Existem estudos empíricos (nos EUA) que mostram que, até hoje, não houve nenhum período de 17 anos consecutivos onde a renda variável perdeu para a renda fixa. Naturalmente isso não é uma “prova cabal” que a renda variável é melhor que a renda fixa, mas sim uma evidência que as colocações anteriores acontecem de fato na realidade.

Ou seja, a renda variável possui muitas vantagens em relação à renda fixa.

Esse foi um exemplo conceitual: Estamos falando de um ativo hipotético de renda variável que rendeu na média o mesmo que um outro ativo hipotético de renda fixa. Foi um exemplo construído com o único propósito de isolar o fenômeno volatilidade e mostrar qual é o efeito que ela causa no longo prazo.

Mundo real

Porém, na prática, é impossível saber qual ativo vai se sair melhor que outro. Não dá pra saber a volatilidade futura de um ativo, muito menos a sua rentabilidade esperada. Mas, novamente, conceitualmente falando, a renda variável tende a oferecer melhores resultados que a renda fixa, no longo prazo, para aqueles que fazem aportes periódicos. Aí entram os estudos, a diversificação, a paciência e a dedicação aos investimentos.

Naturalmente estamos falando de investir em ativos sólidos. Investir em ativos ruins é obviamente danoso para seu patrimônio, e até mesmo investimentos em renda fixa podem ser ruins.

É lógico que não está sendo dito que o investidor deve colocar todo seu patrimônio em RV. No meio do caminho para aposentadoria é provável haver alguma emergência financeira, que ainda por cima pode ocorrer justamente num período de baixa, e neste caso o investidor terá vender ativos quando na verdade deveria estar comprando. E irá ficar se xingando pro resto da vida, dizendo que bolsa é cassino, que é só pra tubarão, entre outras rasgações de tanga. Como recomendação, tenha sempre uma boa reserva de emergência em renda fixa antes de se aventurar em renda variável.

Mas, certamente, uma boa parcela da sua carteira de aposentadoria deve estar em renda variável, como ações ou fundos imobiliários, entre outros. Saber escolher o quê aí no meio é outra arte e tema para diversos outros artigos, mas, conceitualmente, é isso que se deve ter em mente na hora de alocar seu patrimônio.

Conclusões

Na minha humilde opinião, a Renda Fixa deve servir apenas aos seguintes propósitos:

• Reserva de emergência: Estoque de dinheiro para emergências, ou para caso você perca sua renda principal você ainda possa se sustentar por alguns meses até se recolocar.
• Planos de curto ou médio prazo: Viagem, trocar de carro, reforma, etc.
• Reserva de liquidez: Dinheiro aguardando boas oportunidades de compra no mercado.
• Rendimentos para cobrir o custo de vida mínimo: Conforme explicamos nos tutoriais sobre tesouro direto, é interessante manter uma parcela do patrimônio em ativos livre de risco cujo rendimento seja suficiente para cobrir seu custo de vida básico.

E só. Todo o restante deve ir para ativos que ofereçam maiores retornos, especialmente nos períodos de baixa, de maneira a maximizar sua renda na aposentadoria. Para quem é disciplinado nos investimentos, a renda variável irá oferecer retornos maiores do que a renda fixa no longo prazo.